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O legado de Jesus é Goês está em boas mãos

Jesuslee Fernandes, dono do Jesus é Goês, morreu há pouco mais de um mês, de forma inesperada. O restaurante reabriu agora pelas mãos dos seus amigos.

Teresa David
Escrito por
Teresa David
Jornalista
Jesus é Goês
Francisco Romão PereiraFilipa Garcez, Cláudio Almeida, Shoel
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Adorava cozinhar, comer e falar de comida. Conquistou a cidade pelo estômago, mas nunca seguiu receitas, fazia tudo a olho. Tinha mão para o picante, como seria de esperar de um cozinheiro goês. Jesuslee Fernandes – nome memorável dado pelo pai, um admirador do actor Bruce Lee, e pela mãe religiosa –, o homem que jurava que Jesus é Goês, morreu em Abril, aos 44 anos, de forma inesperada, mas o seu legado permanece vivo no restaurante da Avenida da Liberdade, que após uma paragem está novamente de portas abertas, agora a cargo de pessoas da sua equipa, também suas amigas. 

Jesus é Goês
Francisco Romão Pereira

“Neste momento, a minha preocupação é que o restaurante fique bem. Isto era a vida dele. Só quero manter o amor que ele sempre teve pelo restaurante e pela comida e tentar transmitir isso às pessoas”, admite Filipa Garcez, que nos recebe no Jesus é Goês, que agora gere. É com emoção que conta histórias do amigo, que conheceu em 2016 – um sentimento de saudade transversal à equipa, nomeadamente a Cláudio Almeida, sócio do restaurante há cinco anos, e agora o grande responsável, e a Shoel, há três anos o braço direito de Jesuslee na cozinha. “Quando vim para aqui, a forma de se apresentar foi logo: ‘Não quero saber de currículo, vamos mas é comer’”, lembra a gerente. “Tornámo-nos super amigos, ele era como se fosse um irmão para mim. Fui aprendendo. Ele contou-me como é que veio para cá, toda a questão da cultura goesa, da comida”, complementa.

Jesus Lee Fernandes
© Manuel MansoJesus Lee Fernandes morreu em Abril aos 44 anos

Mesmo ausente, sente-se o “toque de Jesus”, como costumava dizer, em toda a parte. Não só o espaço está igual, como a comida – condimentada, com alma – e a forma amável de receber se mantêm. Algo que, segundo Filipa Garcez, não passou ao lado de clientes habituais, que têm feito comentários muito positivos. Na verdade, o espaço não parece ter perdido a afluência desde a partida de Jesus. Aparecemos para almoçar por volta das 14.30 porque, antes disso, tinham a casa cheia. Depois das 15.00, hora em que o restaurante fecha, ainda chegavam pessoas para comer. 

Chamuças de camarão
Francisco Romão Pereira

“Sabíamos que era especial manter o restaurante, mantê-lo connosco através da comida”, confessa a gerente. E falando de comida, é Shoel quem toma agora as rédeas da cozinha. “O Shoel é do Bangladesh, mas a cozinha dele é a cozinha do Jesus”, garante Filipa. “Ele ensinou-me tudo”, comenta Shoel. Ainda assim, como incentivava Jesus, espera-se que Shoel tenha liberdade para criar os seus próprios pratos. Afinal, como nos contou o jornalista gastronómico Ricardo Dias Felner, na altura da sua morte, Jesuslee “tinha uma cozinha goesa tradicional, mas também era alguém que gostava de recriar sobre isso”. “Era um goês criativo, digamos assim, mas que sabia as bases da cozinha goesa”, destacava então. “Ele sempre foi uma pessoa que nunca usou nada de receitas, foi sempre tudo a olho, muito a gosto, a provar”, completa Filipa. 

Por isso, “ele também gostava que o Shoel fosse criativo, que pensasse por ele”, revela a gerente, reforçando, porém, que uma eventual mudança de carta ainda não está nos planos. “Neste momento, estamos a tentar ir pelo que nós já conhecemos”, assume Filipa Garcez. E o que conhecemos é uma fórmula infalível. A chamuça de camarão (2,40€), que pode ser acompanhada com achar de malagueta ou manga (1,50€), é um desses exemplos. O holy burger (5€), um hambúrguer com gema de ovo servido numa colher, é outro – um prato que, conta Filipa, lhe chegou num sonho. O camarão recheado com arroz (20€) – bem condimentado e apimentado – é outra das suas criações. Para sobremesa também há várias opções, como a chamuça de tâmaras (4,5€). “Gostávamos também de manter certas coisas que ele fazia, como a feijoada goesa com os enchidos que a mãe mandava de Goa”, sublinha. 

Jesus é Goês
Francisco Romão PereiraHoly burger

Jesuslee deixou Goa aos 14 anos para vir para Portugal trabalhar em restaurantes. Também chegou a passar pela cozinha do Tentações de Goa, na Mouraria, e depois voltou à sua terra natal para aprender mais sobre a comida goesa com a mãe. Só no regresso, em 2013, abriu o pequeno Jesus é Goês, hoje uma referência na cidade. Mais do que um cozinheiro extraordinário, que “trouxe uma perspectiva mais actualizada da cozinha indo-portuguesa para a cena culinária da cidade”, era “uma pessoa muito afável que fazia pontes com muita gente, que juntava pessoas à volta dele”, disse à Time Out o chef André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores e do Antiga Camponesa, após a notícia da morte do cozinheiro. 

Jesus é Goês
Francisco Romão PereiraCamarão recheado

Além do menu, a equipa quer honrar Jesus de outras maneiras. As paredes, com figuras do hinduísmo e do catolicismo, pintadas por Mário Belém, vão receber uma homenagem. Também se pode esperar uma edição especial do seu vinho Sangue do Meu Sangue. Algumas coisas podem mudar, mas uma coisa é certa: Jesus é Goês, o restaurante está em boas mãos e Jesuslee vive através da sua comida e dos seus amigos. 

Rua São José 23 (Avenida da Liberdade). 920 091 826. Ter-Sáb 12.00-15.00, 19.00-00.00

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