Notícias

O mar, a violência e a memória colonial. Paula Rego e Adriana Varejão nunca estiveram tão próximas

É a primeira exposição conjunta das duas artistas em Portugal e abre esta sexta-feira, no CAM. Entre obras contemporâneas e temas comuns, Rego e Varejão conversam como nunca antes.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Exposição "Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os vossos dentes", CAM
Pedro Pina
Publicidade

Vinte e cinco anos, e mais de 7500 quilómetros, separam os nascimentos de Paula Rego e Adriana Varejão. Mas encontrar pontos de contacto entre as obras das duas artistas não é um exercício que tenha começado hoje. Em Setembro de 2017, trabalhos seleccionados de uma e de outra já haviam sido postos em diálogo, numa exposição da Fortes D’Aloia & Gabriel, no Rio de Janeiro. Nick Willing, filho da pintora portuguesa, viajou na altura até ao Brasil, enquanto Adriana visitou o atelier de Paula, em Londres, onde as duas se conheceram pessoalmente.

Quase oito anos depois, uma ideia (bem mais ambiciosa no que toca à escala e que começou a ser nutrida em 2021, ainda Paula Rego era viva) ganha forma no Centro de Arte Moderna Gulbenkian. Esta sexta-feira, inaugura "Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os vossos dentes", a primeira exposição conjunta das duas artistas em Portugal, que junta cerca de 80 obras na Nave do CAM. "As obras são bastante diferentes, mas a sinergia entre elas e a forma como dialogam é incrível", começa por denotar Adriana Varejão, nome incontornável da arte contemporânea brasileira, com obras espalhadas pelos grandes acervos de arte do mundo, incluindo a Tate Modern, em Londres, e o Metropolitan Museum of Art e o Guggenheim, em Nova Iorque.

Exposição "Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os vossos dentes", CAM
Pedro Pina

A curadoria, tarefa que a artista dividiu com Helena de Freitas e Victor Gorgulho, agrupou as obras em 13 núcleos, cada um deles instalado num espaço circunscrito. Habitualmente ampla, a maior das galerias do edifício, re-inaugurado há menos de um ano, foi dividida em pequenas salas de "escala doméstica". O projecto cenográfico é assinado por Daniela Thomas, realizadora e argumentista brasileira (e produtora associada do filme Ainda Estou Aqui), e procurou estabelecer uma relação de intimidade, não só entre as obras das duas autoras, mas também das obras com o público, que é convidado a descobrir cada um das intersecções e imaginários comuns.

"Fui terra, fui ventre, fui vela rasgada" é o primeiro núcleo da exposição, um espaço pequeno, onde o papel de parede transmite uma sensação quase uterina. A primeira missa no Brasil, de Paula Rego, é a primeira visão. A ladear a pintura de 1993, estão o Mapa de Lopo Homem e Filho Bastardo II, obras produzidas por Varejão nos anos 90, e que partilham o mesmo tema, a violência racial e de género no contexto colonial. "A Paula tem um discurso muito feminista contra o patriarcado e isso desemboca num discurso decolonial, que a gente tentou incluir na exposição, tal como outras questões: o corpo, o erotismo, a política", adiciona a artista.

Exposição "Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os vossos dentes", CAM
Pedro Pina

A violência sobre os corpos femininos ou racializados espreita ao virar de cada esquina. Se em muitas das pinturas de Paula Rego, essa violência reside na tensão e na angústia das suas personagens, nas obras de Varejão (muitas delas contemporâneas das da artista portuguesa, apesar da diferença de idades) a violência surge pela via plástica – os cortes e fissuras, a carne e os órgãos simulados a óleo. "A ideia de fenda está presente nas 13 salas. Ambas as artistas têm várias camadas no seu vocabulário artístico e vão fazendo cisuras – mais metafóricas em Paula Rego, mais matéricas em Adriana Varejão. Mas ambas mostram o que está por trás da pele: são as histórias do mundo e da humanidade que querem contar", comenta Helena de Freitas, outra das curadoras.

O diálogo é constante e, ao longo da exposição, Paula e Adriana nunca deixam de conversar, seja através de temas, de elementos pictóricos, ambientes, imaginários artísticos e até mesmo possíveis continuidades narrativas. O caso mais flagrante é o núcleo que junta O Anjo, representação de uma mulher de espada na mão e esponja na outra, e Parede com incisões à la Fontana, o tríptico de telas com cortes em carne viva. "Se a Paula sugere o golpe, Adriana fere", remata Helena de Freitas.

Exposição "Paula Rego e Adriana Varejão. Entre os vossos dentes", CAM
Pedro Pina

As sereias, a política, os ditadores, o aborto, as saunas – o léxico artístico das duas artistas é extenso e devidamente contextualizado pelos textos que acompanham a exposição, que pode ser visitada até 22 de Setembro. Ainda assim, há outras interpretações e conexões possíveis, deixadas à mercê do visitante. Sem um percurso definido, curadores e cenógrafa ergueram um labirinto dentro do CAM para que o público se perca a descobrir duas artistas que, estando tão distantes geracional e geograficamente, nunca estiveram tão próximas.

Rua Marquês de Fronteira, 2 (São Sebastião). 21 782 3000. Qua-Seg 10.00-18.00 (Sáb 10.00-21.00). Até 22 Set. 8€-14€

🏖️ Já comprou a Time Out Lisboa, com 20 viagens para fazer em 2025?

🏃 O último é um ovo podre: cruze a meta no FacebookInstagram e Whatsapp

Últimas notícias
    Publicidade