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Com a abertura do Ararate, os lisboetas têm uma nova bandeira no mapa gastronómico de que podem usufruir sem sair da cidade. E vão reconhecer sabores que conhecem há muito.
O Ararate é um acontecimento: mais de 70 anos depois de Calouste Gulbenkian ter aqui fixado residência, Lisboa vê abrir o primeiro restaurante arménio do país. Um empreendimento com um respeito milimétrico pela gastronomia deste povo milenar, cujas constantes provações o obrigaram a aprimorar métodos de conservação e a preparação dos alimentos. Pode entrar à-vontade: não vai sentir-se perdido na ementa.
“Os sabores da cozinha arménia cruzam-se com os do Dão, da Bairrada e do Alto Alentejo.” Paulo Marques, o experiente gerente do Ararate (esteve, por exemplo, com Vítor Sobral no Balcão da Esquina), surpreende-nos antes mesmo de dar a provar os pitéus do Cáucaso e de podermos comprovar essa familiaridade com, por exemplo, o basturma – fumado que ocupa o lugar do presunto numa tábua de enchidos (7,5€ ou 13 €) em que o sujuk, e o seu intenso aroma a especiarias, sobressai entre lascas de peito de pato e língua de vitela –, com a sopa de grão de bico (16€) ou com o ensopado de borrego (18€). A diferença está nas ervas aromáticas.
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O pão está sempre presente. O lavash, finíssimo, acompanha a refeição desde o caviar de beringela (5,5€) e da tábua de queijos (8,5€) feitos ali mesmo – com destaque para o queijo amadurecido em cinza de ramos de videira – às espetadas de carnes (as de costeletas de borrego custam 17€, mas há mais baratas) e esturjão (sim, a família de peixes que nos dá ovas para os melhores caviares – 19€). Corte um pedaço de lavash, recheie-o e leve à boca. Use as mãos sem pruridos. E não desperdice as marinadas dos ensopados: aproveite tudo com um naco de matnakash, pão fermentado adoçado com essência de chá. É para molhar no prato ou no tacho e lamber os beiços no final, à boa arménia – e portuguesa.
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Detido pelo casal russo que abriu o restaurante D. Afonso o Gordo e o bar Rosa de Lencastre, à Sé (a mulher tem ascendência arménia), o Ararate está a escassos metros dos jardins da Gulbenkian, no local que a churrasqueira A Lontra ocupou durante quatro décadas. A porta entalhada com os símbolos nacionais da Arménia e a grande janela que permite ver da rua o mobiliário de ar rústico e os candeeiros em metal, tudo feito em Portugal, e as tapeçarias produzidas com uma técnica idêntica à de Arraiolos, que ornamentam as paredes, convidam a entrar. À mesa, encontramos barro português feito à maneira arménia (sem vidrado), copos da Marinha Grande, louça Costa Nova e, pedindo espetadas, os espetos shampur.
O chef e o sous-chef, ambos arménios, ambos chamados Andranik, foram contratados em Moscovo e fazem parte de um naipe de nacionalidades que inclui mais uma arménia, Karolina (na sala, que fala português e é uma guia preciosa se nos calhar em sorte), um russo, ucranianos, portugueses e nepaleses. Uma das grandes dificuldades que a cozinha enfrentou foi encontrar quem lhes fornecesse folhas de videira para os seus rolos de vitelão picado com arroz, cebola, verduras e especiarias, envolvidos nas ditas folhas (os vinicultores nacionais são muito ciosos das suas videiras). Mas isso está resolvido e podemos provar este prato tradicional, o dolmá (7,5€).
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A ementa do Ararate – nome da mais alta montanha da Turquia, mas local sagrado para os arménios e onde os cristãos acreditam ter encalhado a Arca de Noé após o Dilúvio – ajuda-nos na descoberta desta gastronomia com boas fotografias, descrições dos pratos e os respectivos nomes originais. A carta de vinhos portugueses faz o mesmo: abrevia propriedades, detalha castas e facilita a escolha (para nos mostrar que o vinho algarvio é para ser levado a sério, Paulo Marques serviu-nos um tinto da Quinta do Barranco Longo, com o cunho de Rui Virgínia). Só vai sentir-se desorientado quando tiver de pedir em voz alta um tjvjik (6€), guisado de miúdos com fígado, coração, pulmão e rins de cordeiro com cebola e tomatada. Não faça essa cara, lembre-se da cachola alentejana.
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O ideal é partilhar. Pique do borrego com funcho (7€), preparado a baixas temperaturas em vinho branco, dê uma garfada na salada de beterraba fumada (6€), com queijo que parece feta – mas a Arménia não é a Grécia –, e insista em dividir um pakhlava (5€) à sobremesa. Este pastel de nozes é muito doce e é difícil dar conta de um sozinho. Mesmo que isso signifique pedir uma segunda sobremesa, como o ecler, versão arménia do original francês (a ideia é igual, o resultado é outro – 4€). Com sorte, o chef apresenta-lhe um gelado artesanal improvisado (que nem sequer está na ementa) que sintetiza esta gastronomia: a aproveitar todos os ingredientes que sobram na cozinha, e e a accionar as papilas gustativas certas. Para não ficar com saudades, pode levar para casa uma compota que os arménios usam para aromatizar o chá e barrar as torradas que o acompanham.
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Avenida Conde Valbom, 70 (Avenidas Novas). Dom-Sex 12.00-23.00, Sáb 12.00-24.00.