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O pior não aconteceu: Veneziana volta a servir cassatas e bolas de marrasquino

Gelataria criada em 1933 esteve fechada desde Dezembro de 2024, temendo-se a perda de mais uma loja histórica. Família Sala segurou o barco, renovou o espaço e reabriu-lhe as portas esta quarta-feira.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
A Veneziana
Rita Chantre | A Veneziana
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Passou-se o mês de Fevereiro, depois Março, Abril, Maio, temendo-se por vezes o pior. "Sabem o que se passa com A Veneziana? Está fechada há meses", perguntava-se nas ruas reais e nos meandros do digital. Até que em Junho surgiu uma mensagem benigna na porta de vidro da gelataria, anunciando a sua reabertura para breve. O momento chegou esta quarta-feira, 16 de Julho, quando a marca fundada em 1933 em formato ambulante, que transportava gelados em gôndolas sobre rodas pela cidade, voltou a servir o seu spaghetti (doce e fresco, sim), a cassata ou a simples bola de cereja marrasquino, sabor entre o démodé e o nostálgico, sendo que neste assunto dos gelados pouco importa estar na moda. 

Mas regressemos à história. Se a morte é o pior, então, sim: o pior aconteceu. Fulvio de Luca, neto de um dos fundadores da marca A Veneziana (Giovanni de Luca) e responsável pela vida do negócio nos últimos anos, morreu em Janeiro deste ano, lançando a incerteza sobre o futuro da gelataria dos Restauradores. A morte, porém, não foi absoluta. "Falaram comigo, para saber se queria ficar com o espaço e os meus filhos entusiasmaram-se com a ideia. Isto é muito mais do que vender gelados. A mim o que me entusiasma é dar alguma felicidade. E também é isto: ter cadeiras de 1949, ter ali a foto do meu tio, ter aqui uma casa com história", afirma Angelo Sala, primo de Giovanni e neto de um dos fundadores. Juntamente com a mulher, Teresa Menano, e com os filhos, João e Clara Menano Sala, decidiu pegar no negócio, rejuvenescer o espaço e reabrir-lhe as portas em pleno Verão.

A Veneziana
Rita ChantreA Veneziana

Numa Veneziana mais luminosa ficaram o mesmo mobiliário – as pequenas mesas e bancos em madeira desenhados por Sena da Silva (que vieram da extinta A Veneziana da Avenida da Liberdade) –; a mesma esplanada – que terá sido a primeira registada em Lisboa –; e os sabores clássicos de amêndoa, cereja marrasquino (fruto embebido num licor originário de Itália, produzido a partir dos caroços, caules, folhas e polpa da cereja e do morango), com passagens pela framboesa, manga, pistáchio ou caramelo.

Um álbum de família

Angelo Sala recebe a Time Out na casa dos Restauradores na semana anterior à abertura. A arca dos gelados, com espaço para 12 sabores que vão rodando conforme a época, é nova, a máquina de café também (com a segurança de "um bom café" dada pelo filho, João, que será uma das presenças constantes ao balcão). De resto, o espaço tem as mesmas madeiras mas agora pintadas de um tom próximo do marfim, o que ajuda a uma ideia de amplitude. As mesas e bancos do interior foram envernizadas por Teresa e o mobiliário de esplanada, em metal, chegaram há pouco do restauro. "Uma destas cadeiras há-de ser a daquela da fotografia, que vai pendurada na bicicleta", conta Angelo, sobre a imagem do tio, fixa sobre a parede.

A Veneziana
Rita ChantreA Veneziana

À esquerda, o "álbum de família" enquadra o cliente-espectador. "Precisam de umas legendas, não é?", pergunta Teresa a um curioso (são muitos os que vêm ver, nas primeiras horas, como ficou A Veneziana, se mudou de mãos ou de conceito). Poderiam lá estar as legendas, sim, mas tem mais graça ouvir Angelo Sala a contar a história. "O meu avô era da zona de Veneza, perto dos Alpes, a zona dos melhores mestres de gelados, e imigrou para cá com dois sobrinhos" no entre-guerras, conta Angelo, também proprietário da gelataria Lafabbrica (onde são produzidos os gelados d'A Veneziana), nas Avenidas Novas. Do Norte de Itália trouxeram a técnica e o sabor. Montaram com eles uma fábrica – saudosa para muitos – na Avenida de Berna. "Não havia loja, mas existia um pátio e as pessoas iam lá muito comer gelados", conta o actual sócio d'A Veneziana, sobre a unidade de produção que funcionou até 1996.

Nos Restauradores desde 1940, depois de andarem a distribuir gelados de bicicleta durante sete anos, abriram a pequena loja que hoje resiste entre marcas de roupa, no rés-do-chão de uma empresa também ela familiar, a do Hotel Avenida Palace, com quem os Sala se dão "muito bem". "Um deles ainda chegou a conhecer o meu avô", conta Angelo. Nos anos 80, A Veneziana chegou a ter três espaços na cidade: o original, o da Avenida da Liberdade e outro no centro comercial das Amoreiras, mal abriu.

A Veneziana
Rita ChantreA Veneziana

Na Lisboa até aos anos 70, poucos eram os espaços a servir bolas de morango ou stracciatella em cones de baunilha. "Comer um gelado era um evento", reconhece Angelo Sala. Das lojas mais antigas, restam nomes como a Conchanata (1948), em Alvalade, ou a Surf (1978), no Areeiro. Nos últimos 15 anos, vieram novas lojas e cadeias, a cidade nunca conheceu tanta gelataria como hoje, mas isso parece não representar um problema para a velha A Veneziana, que será sempre a primeira. "Temos o fabrico próprio, usamos fruta fresca, acompanhamos as campanhas da época e mantemos a receita do século XIX, com um pouco menos de açúcar, nos casos das frutas que já são doces", descreve o proprietário. Se o novo é, para muitos, uma religião, nos gelados não é o que pesa, porque este é um lugar para voltar atrás, à infância.

Praça dos Restauradores, 8 (Restauradores). Ter-Dom 12.00 (ou 12.30, está por definir)-20.00

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