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O Portugal pós-pimba de João Não & Lil Noon, Pedro Mafama ou José Pinhal Post-Mortem Experience

À boleia de discos recentes, de João Não & Lil Noon aos Pedros Mafama e da Linha, reflectimos sobre a reabilitação da música de baile por uma nova geração de músicos.

Luís Filipe Rodrigues
Editor
João Não & Lil Noon
DRJoão Não & Lil Noon
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Durante anos, o pimba foi ignorado pelos principais meios de comunicação nacionais, apesar do sucesso comercial de que gozou este género (se é que lhe podemos chamar isso), sobretudo nos anos 80 e 90. Desde o início da década passada, contudo, começou a assistir-se a uma reavaliação destas músicas. Primeiro, e timidamente, através de projectos como Deixem o Pimba em Paz, com Bruno Nogueira e Manuela Azevedo (Clã) a cantarem canções que todos conheciam, com as mesmas letras, mas vestidas com roupagens e adornadas por arranjos aburguesados; ou com uma postura meio irónica, ainda que aberta à experimentação, como os TOCHAPESTANA. Depois, e sem pruridos, em momentos pontuais dos sets de DJs ligados à Príncipe e à Cafetra, ou nos concertos da José Pinhal Post-Mortem Experience. Hoje, está a ser adoptado e reimaginado diante dos nossos olhos e ouvidos por artistas de diferentes classes sociais, mas mais ou menos as mesmas idades, como João Não & Lil Noon, Mike El Nite, Pedro Mafama e muitos outros.

Antes que alguém diga que “o pimba só existe a partir de 1995, que é quando o Emanuel edita o disco e a canção que lhe dão o nome”, convém reconhecer que a maior parte das vozes sonantes a que o rótulo é colado já se escutavam e tinham carreiras estabelecidas muito antes. Quim Barreiros vive da música desde a década de 1970 e chegou a gravar com José Afonso; José Malhoa editou pela mesma Orfeu em que Zeca, Adriano Correia de Oliveira e tantos outros gravaram discos fulcrais, na viragem de 70s para 80s; depois de abandonar o futebol, Marante começou por se dedicar às covers também nos 70s, antes de formar os Diapasão e, mais tarde, se lançar a solo; Ágata dedicou o primeiro EP aos “Heróis Trabalhadores”, em 1975, quando ainda respondia pelo nome de baptismo, Fernanda de Sousa, e que também usou para dar voz à “Abelha Maia”, em 1978, e na passagem por girl bands como as Cocktail e as Doce, antes de assumir o nome por que hoje a conhecemos. Tudo isto aconteceu antes da entrada em cena de Emanuel.

O renovado interesse pelo género no presente século tem sido acompanhado por projectos online como o pioneiro Portal do Pimba, de Bruno Raposo, ou o Pimbaú, de João Kendall e Bernardo Machado; livros como O Pimba – Um Fenómeno Musical, de Francisco Manuel Marques; e produções televisivas como Som de Cristal, de Bruno Nogueira, ou a minissérie documental O Pimba É Nosso, que olha de vários ângulos para o passado, o presente e os futuros destas músicas. Além de cantores e compositores pimba, escutamos nela figuras conhecidas, como Lili Caneças e Herman José, um dos principais promotores do pimba; o crítico João Bonifácio, que durante anos escreveu sobre música no jornal Público e não só; ou o musicólogo Rui Vieira Nery; bem como vultos do jazz, da clássica e do folclore – respectivamente, Mário Laginha, António Victorino de Almeida e Celina da Piedade.

“Chamamos pimba a um género que, à partida, não nos agradará. Mas, se nos agradar…” Pausa. “Será que não podemos olhar para aquela música e perceber que é tão complexa, tão variada e tem tantas influências”, questiona Celina, no primeiro episódio deste documentário, em streaming na RTP Play. “Temos desde a música romântica até à música de inspiração tradicional”, exemplifica. Rui Vieira Nery é da mesma opinião. “É um conceito muito desconfortável para mim, porque cobre coisas tão diferentes que às duas por três não sei se é muito útil para classificar uma realidade tão diversificada”, diz. E têm toda a razão. Quim Barreiros, Ágata e Emanuel são artistas com percursos, sons e valências diferentes. O que os une não é a música que fazem, mas quem a consome, sobretudo pessoas de classes sociais mais baixas, com um menor domínio dos códigos e gostos burgueses.

Acontece o mesmo, no Brasil, com o chamado brega, um termo semelhante que serve para agregar várias músicas populares. Na Enciclopédia da Música Brasileira, por exemplo, o brega é caracterizado como a “música mais banal, óbvia, directa, sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichés musicais”. Já em Portugal, no dicionário online Priberam, o pimba é definido como uma “música de melodia fácil ou pouco elaborada, com estruturas musicais básicas e letras superficiais ou de cariz brejeiro”. Em ambos os países, renunciar estas músicas é – ou pelo menos foi – um exercício de consolidação de status social, com as classes médias e baixas frequentemente a referirem-se aos artistas do interior rural com termos mais correctos e concretos do que as elites e pequenos burgueses para quem é tudo brega, é tudo cafona. É tudo coisa de pobre.

Isso parece estar a mudar. Em Portugal, por exemplo, nas conversas com millennials, ainda se nota a vontade de ressalvar que isto ou aquilo não é “pimba” – que é música ligeira, música romântica, música de baile. Várias pessoas disseram que José Pinhal não podia sê-lo porque morreu em 1993, dois anos antes de aquela canção sair. Como não vendeu tantos discos e cassetes como os pares, como não participou na gravação de “Mãe Querida”, como não esteve vivo para surfar a onda do Made In Portugal e dos programas do Herman, não pode ser pimba. Esqueça-se isto, e escute-se a música: se aquilo não é pimba, nada é. José Pinhal é foleiro. E não há mal em ser foleiro.

Aceitem. Escutando e lendo o que os zoomers e os millennials mais novos partilham na vida e na internet, sente-se essa aceitação. Oiça-se o set que o Gay da Cinemateca – uma conta com milhares de seguidores no Instagram, incluindo músicos e boa parte da população hipster de Lisboa – gravou para a Rádio Quântica. Nele, o emo-trap, o fado, a música indie e a pop-rock co-existem com uma declamação de Natália Correia ou um excerto do Nowhere (1997), de Gregg Araki, e ainda com a música dita pimba de Mónica Sintra. Ou o “Turn Off”, o último single de Sreya, que já trabalhou com Conan Osiris, Primeira Dama ou Bejaflor. A canção é catalogada pela própria como pimba e tem uma produção típica do género, só que a letra é uma condenação dos piropos e de quem os faz (“não é elogio, é assédio”, repete), numa crítica à masculinidade tóxica que muitos associam a estas músicas. Mário Brás, que trabalha como DJ Gostodti (e não só…), também não tem medo de assumir o rótulo. Há um mês, no Instagram, anunciou-se “disponível para levar a música popular portuguesa a um cantinho perto de si”. E na imagem que acompanha a publicação lêem-se frases como “música ao gosto do povo”, “100% feminista” e “há pimba!”. Sem ironia. Sem medos.

“Acredito que daqui a uns anos não estejamos a falar da existência de uma música pimba, porque isso vai ser tão pouco concreto”, prevê Celina da Piedade, no último episódio de O Pimba É Nosso. “Ao nível pelo menos da comunicação social e da forma como falamos da música, esses rótulos vão-se dissipar.” Rui Vieira Nery partilha desta opinião, pois “somos cada vez mais uma comunidade multi-étnica, com presenças muito fortes de comunidades migrantes da Europa do Leste, de África, do Brasil.” Profetiza que “o caminho será de fusão cada vez maior de géneros e tornar-se-á cada vez mais difícil rotular – se não é hoje já impossível rotular – este fenómeno com um carimbo único”. E já é impossível rotular muitas coisas como pimba sem recorrer a um ou outro prefixo. Bem-vindos ao Portugal pós-pimba.

Há muito que os intérpretes portugueses destas músicas pimbas, desde Ana Malhoa ao pai José, expandiam a matriz rítmica e melódica do género, juntando-lhe ritmos e músicas populares de África e da América Latina, como o kuduro, o reggaeton ou o baile funk. E, logo em 2017, os influencers Conguito, Pakistan e Nurb assumiram o nome colectivo de Dois Brancos e Um Preto e gravaram um disco que batizaram de Trap Pimba, em que escutamos Lili Caneças a cantar alguns versos de “Garagem da Vizinha”, um êxito de Quim Barreiros. 

Também é Paki quem faz a introdução de Terra-Mãe (2021), primeiro disco feito a meias por João Não & Lil Noon, onde o trap e o pimba (com costela romântica, a lembrar as canções de dor de cotovelo brasileiras) se cruzam. A dupla editou recentemente o álbum Se Eu Acordar e vai levá-lo em digressão pelo país. O primeiro concerto é a 26 de Maio, no Maus Hábitos portuense, e o último, por agora, a 15 de Junho no Salão Brazil (Coimbra), com mais uma passagem pelo Lux, em Lisboa, marcada para 1 de Junho. É um disco menos meloso do que o anterior, sem tantas emoções à flor da pele, mas com outro cuidado e ambição. Não deixa de se sentir, porém, a influência de Marante, que já foi o convidado de um par de edições do Bar Dançante, as festas pimba de João Não e Miguel (Mike El Nite).

Outro homem que aproxima o trap do pimba é Chico da Tina, verdadeiro fenómeno, cujos concertos nos festivais do último Verão não serão esquecidos tão cedo. Toca concertina e tem uma canção chamada “Nós Pimba”, como não podia deixar de ser. O chamado pimba e as músicas populares e de baile que o inspiraram são também o ponto de partida para muito do que Pedro Mafama e o seu cúmplice Pedro da Linha têm vindo a construir. O primeiro está prestes a editar Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, disco precioso, tão honesto como visionário. É música de baile popular para uma Lisboa que há-de vir, que assimilou os ritmos e as danças das populações racializadas da cidade e dos emigrantes do interior do país que ano após ano cá acabam. Vai, obviamente, ser apresentado num arraial de Santo António, em Junho. Já Pedro da Linha acaba de lançar Rua Rosa, 24, EP de quatro canções que alude à morada do Musicbox, cujo programador, Pedro Azevedo, é um velho aliado e fala em “clubbing rural” para se referir ao disco. 

O programador e agente acha que ainda é cedo para se falar em pós-pimba. “Ainda há poucas coisas”, sublinha. “Qual é a herança da Ana Malhoa?” E é ele quem dá a resposta: “Não há, o que é uma tragédia.” Pedro da Linha também acha “que falta ainda acontecer muita coisa para haver uma fase pós-pimba”. Mas reconhece que algumas pessoas sentem que já estamos lá. Aponta o amigo João Pedro Silva, que trabalhou com ele na Enchufada, mas “está fora disto há imenso tempo e tem uma visão meio perdida do que está a acontecer. Sente que está aí uma maré de baile e de pimba”. Por agora, Pedro da Linha discorda. Mas acreditem que, mais dia menos dia, “a maré se vai levantar”.

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