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O produtor que não deixa morrer a revista no Parque Mayer

Hélder Freire Costa é o último dos grandes produtores de teatro de revista no Parque Mayer. Subimos com ele ao palco do Teatro Maria Vitória, para conversar.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
Teatro Maria Vitória
Fotografia: Gabriell VieiraHélder Freire Costa, no palco do Teatro Maria Vitória
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Após uma interrupção de seis meses, o teatro de revista voltou ao Maria Vitória a 9 de Setembro. Uma companhia que vai resistindo ao passar dos tempos, muito graças à persistência do produtor Hélder Freire Costa, que trabalhou e aprendeu com os melhores, de Giuseppe Bastos a Vasco Morgado. É ele o último destes moicanos, um produtor que, em nome próprio, continua firme ao leme da companhia de teatro de revista, resistindo a crises e pandemias.

Fundado em 1922, o Maria Vitória foi o primeiro dos teatros criados no recinto do Parque Mayer, outrora conhecido como “a Broadway portuguesa”. A ele juntaram-se pouco tempo depois o Teatro ABC, demolido em 2015 para dar lugar a um parque de estacionamento, e mais dois espaços que regressaram ou vão regressar: o Capitólio, renascido em 2017 com programação a cargo da Sons em Trânsito; e o Teatro Variedades, desactivado no final dos anos 90, mas actualmente em obras, resultado de um concurso público de ideias, do qual se sagrou vencedor o arquitecto Manuel Aires Mateus, em 2008. Em Fevereiro deste ano, o município anunciou o lançamento de um concurso internacional para a “reabilitação, requalificação e exploração do Parque Mayer”, num documento que estabelece as linhas gerais para a implementação da Zona de Emissões Reduzidas no eixo Avenida-Baixa-Chiado. No meio de todas as mudanças está o histórico Maria Vitória, a aguardar novidades sobre o futuro.

Teatro Maria Vitória
Fotografia: Gabriell Vieira


“Há um projecto para aqui [Maria Vitória], ultimamente falam de um teatro, com salas de ensaio. Para fazerem isso tudo têm de deitar o teatro abaixo. Eu acho bem, mas para onde é que a gente vai?”, pergunta Hélder Freire Costa, enquanto nos revela que em 2010 António Costa prometia que a companhia do Maria Vitória seria deslocada para o Teatro Variedades. Mas identifica dois problemas no projecto aprovado para o teatro vizinho. “Agora viemos a saber que o Variedades fica sem teia, que é fundamental para a revista. O espaço para cima tem de ser igual ao espaço de baixo, para engolir os cenários. O Maria Vitória é pequenino, nunca devia ser para a revista, mas tem uma teia. E não se pode estar a deitar abaixo teatros com 800 ou 900 lugares para ficarem com 200 ou 300, porque não tem rentabilidade. É rentável pondo preços elevadíssimos, mas já hoje o público tem dificuldade de ir ao teatro, se elevam os preços então é que não vêm mesmo”, defende. “Não vai ser comigo que isto vai abaixo, não vou ficar para a história como o tipo que acabou com o histórico Teatro Maria Vitória, tendo possibilidade de fazer de outra maneira”, defende convicto.

Cronologia de um resistente
Pare, Escute… e Ria! é o último espectáculo produzido por Hélder Freire Costa, que regressou à cena no Teatro Maria Vitória após meio ano de paragem. Às quintas, sextas, sábados e domingos, ainda há revista à portuguesa em permanência em Lisboa, graças à persistência deste resistente do Parque Mayer, um produtor que chegou ao mundo do espectáculo, vindo de um banco, nos anos 60. “Eu era empregado bancário, tinha 23 anos e nessa idade queremos é paródia. Eu e uns amigos tínhamos uma comissão e realizávamos bailes pela noite fora. Por via disso, chegava ao banco tarde e um dia ao chegar tinha ordem de despedimento”, lembra. Acabou por responder a um anúncio de emprego publicado no Diário de Notícias que pedia um “empregado de escritório, com prática em contabilidade. Passados 15 dias tornou-se secretário do produtor Giuseppe Bastos e passou a ser a sua sombra. “Eu vim de passagem, foi um emprego que arranjei. Eu entendia que o teatro não era futuro, tinha de procurar um banco ou uma empresa que me desse estabilidade, mas foram passando os anos”.

Teatro Maria Vitória
Fotografia: Gabriell VieiraHélder Freire Costa


A 11 de Abril de 1975, o seu mentor morreu. “Estávamos com um êxito enorme, a primeira revista livre após o 25 de Abril, chamava-se Até Parece Mentira”, conta Freire Costa, que recorda a forma como a companhia se reuniu em seu redor, para que continuasse o trabalho de Giuseppe. Para ele era na altura impensável dirigir o Maria Vitória, mas a companhia assegurou que o ajudaria nesta nova missão. Em Outubro desse ano, produziu a revista Força, Força, Camaradas. E nunca mais parou. “No meu pensamento estava sempre a hipótese de me ir embora. Mas eu sou o homem das crises. Passava um ano, dois anos, depois acontecia uma crise e não podia deixar o teatro. Seria um acto de cobardia”, diz. Depois de ter ficado com o menino nos braços em 1975, ainda assistiu ao terrível incêndio que destruiu o Maria Vitória em 1986 (passaram uns tempos no Maria Matos), viveu as dificuldades de duas intervenções do FMI em Portugal e agora a pandemia. “Caiu-me como uma bomba em cima. O teatro ficou fechado durante seis meses, com despesas diárias e sem um tostão de receita. Regressámos no dia 9 de Setembro com muita dificuldade. Nas cadeiras da frente ninguém se pode sentar, nas outras é uma aqui outra acolá. Estão a vir poucos, mas se calhar mais do que aos outros lados a pagar bilhete. É um contributo do público de homenagem ao Teatro Maria Vitória que, dentro da gravidade da situação no país, pelo menos teve a ousadia de divertir o público. E esta revista é muito divertida. Por exemplo, o Salgado é o Miguel Dias na prisão a tratar o guarda como se fosse o empregado do hotel”, conta divertido. E dá uma lição do que é a verdadeira revista à portuguesa: “O teatro de revista é uma manta de retalhos. Tem um roteiro e cada número tem roupa própria, texto próprio e um corte com a cortina. É um espectáculo de actualidade, é diferente de uma comédia ou de uma comédia musical, que é uma história com início, meio e fim. Na revista cada número é um fragmento e para ter sucesso tem de ter crítica política e social”. Tanto que antes do 25 de Abril era preciso alguma ginástica para contornar a censura: “Hoje pode-se dizer tudo como os malucos, mas nessa altura tudo era controlado. Curiosamente, como não pagavam [a PIDE e afins], vinham ao teatro gratuitamente, mas tinham de apresentar um cartão à entrada, logo o porteiro avisava que eles estavam aí.”

O passado já lá vai, mas e o futuro? Haverá um depois de Hélder Freire Costa? “Tenho a certeza que sim. Tenho visto que há uma série de artistas que andam por aí que, se não houver Maria Vitória, eles agarram e fazem revista”.

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