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Que sons e vozes podemos escutar num mundo em silêncio? Ou melhor, que sons e vozes pudemos escutar quando este mundo se fechou em casa? Depois de se estrearem na criação para a infância com Sons (Mentirosos) Misteriosos, Sofia Dias e Vítor Roriz – uma das duplas mais interessantes das artes performativas nacionais – estão de volta ao LU.CA com Uma partícula mais pequena do que um grão de pó, um espectáculo para os mais novos, a partir dos seis anos, que os convida a exercitar a memória, a imaginação e, claro, a escuta.
A ideia, contam os artistas e coreógrafos, despontou durante a pandemia. “Surgiu primeiro como o título de um conto que escrevemos à luz do que estava a acontecer. De repente tudo parou por causa desta partícula infecciosa, que nos fez escutar outros sons, olhar para a natureza de outra forma. Depois, numa residência na OSSO, gravámos essa história e compusemos a banda sonora. Portanto, há um texto à volta da paragem a partir do qual criámos este espectáculo”, revela Sofia Dias, que assina quer a música quer a direcção artística, em conjunto com Vítor Roriz.
Parar, ouvir, reagir
Há sistemas que, de tão grandes e complexos, parecem impossíveis de parar, mesmo quando a maior parte das pessoas acha que viveríamos melhor sem eles – mesmo até depois de o comprovarmos. Mas o que aconteceria se quem os mantêm a funcionar decidisse parar de vez? É esta a grande questão levada a palco e em torno da qual dialogam os corpos de três bailarinos – Lucas Damiani, Vi e, à vez, Francisca Pinto ou Joana Manaças. “Pede-se, neste caso, uma certa sensibilidade à escuta, mas também ao que nos rodeia”, explica Vítor, referindo-se aos outros seres com quem partilhamos o planeta.
Talvez se recorde que, em tempos de quarentena, não só a natureza floresceu, como muitos animais invadiram as cidades. Saltaram dos parques, jardins e até dos bosques para as ruas desertas, em busca de comida ou simplesmente para passear além das fronteiras a que os humanos os têm confinado. Foi este imaginário que Sofia e Vítor tentaram recriar em palco. Inspirados pela “qualidade física da animação”, procuraram “desenhar no espaço com o corpo”, criando uma paisagem que não existe, mas que se vai construindo através do movimento e do som.
Que nos diz o mundo?
É um convite a imaginar o que a vida poderia ser, o que a vida é em muitos locais, longe dos centros urbanos. A história está escrita – Sofia e Vítor sabem o que estão a tentar dizer-nos –, mas há espaço para que cada espectador se relacione com a peça de forma livre, com os sons que se ouvem e com os que aparecem através da palavra, em onomatopeias que os intérpretes sacam dos bolsos. O que diz a rocha? O que diz o rio? O que diz a montanha? “Não é uma coisa necessariamente animista, de atribuir entidade ou espírito a uma rocha, a um rio ou a uma montanha, mas de os percepcionar e perceber como é que se relacionam com o resto do ecossistema”, esclarece Vítor.
Diz-se que o nosso corpo fala connosco: treme quando temos frio, faz barulho quando temos fome, fica pesado quando estamos cansados. Mas não é o único. Há outros corpos à nossa volta a dizer-nos coisas. Por exemplo, se uma arriba se está a desfazer, sabemos que não é segura. “A crise ecológica é sobretudo uma crise de sensibilidade”, acrescenta o coreógrafo, que destaca como os intérpretes também são chamados a apurar os seus sentidos. “Para reagir ao presente, perceber o outro e responder de acordo.”
A estreia em Lisboa está marcada para 3 de Fevereiro, com sessões às 11.30 e às 16.30, no LU.CA – Teatro Luís de Camões, onde poderá ver o espectáculo também nos dias 4 e 10 de Fevereiro. Seguem-se apresentações no Porto, no Teatro do Campo Alegre (22-24 Fev); em Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor (6-12 Mar); em Braga, no Theatro Circo (15-16 Mar); e em Loulé, no Cineteatro Louletano (5 Abr).
LU.CA – Teatro Luís de Camões. 3-4 Fev, Sáb-Dom 11.30/ 16.30, e 10 Fev, Sáb 11.30. 3€-7€
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