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Há quanto tempo não lê as condições legais que sempre estão em letras minúsculas atrás dos bilhetes para espectáculos? Em Sob Convite, integrado no programa Lusco Fusco da Câmara de Lisboa e do Polo Cultural das Gaivotas, Maria João Falcão convida-nos a pensar sobre a autonomia do actor, e por conseguinte na responsabilidade do público.
À porta, a actriz – e não, isto não é para não dizermos Maria João Falcão, é antes uma personagem que a própria criou para este efeito – faz-nos uma descrição detalhada do que vamos encontrar lá dentro. É de uma minuciosidade quase violenta e refere até elementos que não são daqui, como “uma ventoinha estragada que não será utilizada”, objectos que não estarão em Sob Convite, espectáculo de Maria João Falcão integrada na programação do Lusco Fusco, um ciclo multidisciplinar (cinema, música, performance, teatro) que todos os anos, de Julho a Setembro, decorre no Polo Cultural das Gaivotas. Para ver segunda às 21.00.
Depois deixa-nos ver o que está para lá da porta. E tudo bate certo, até o pormenor das três canetas em cima de uma mesa, dispostas por uma certa distância igual entre elas. Depressa explica que nos quer nisto com ela, se assim for do nosso interessa, que gostaria muito, que faria questão. E começa por nos fazer posicionar perante certas questões, isto é, dá-nos uma pergunta e várias possibilidades de resposta que temos de escolher de acordo com aquilo que achamos por bem. É uma espécie de contrato não dito, que estabelece um compromisso entre a actriz e o público, para assumir responsabilidade. E contrato foi precisamente das primeiras ideias para Maria João Falcão, ela que criou este Sob Convite à boleia de um mestrado feito na Holanda, onde desenvolveu e pesquisou a ideia de autonomia do actor: “A ideia de contrato foi muito importante, esteve sempre presente, inicialmente queria fazer um contrato com o público, eu quero isto e o que é que vocês querem. Mas era uma coisa um bocado agressiva, fazia as pessoas dizer que não queriam fazer contrato nenhum comigo. É claro que há um contrato implícito quando se vai ao teatro, a parte de trás do bilhete. Mas depois percebi que o contrato pode ter outros moldes, pode ser um convite, vocês querem isto como público e eu quero isto como actriz”, explica.
As costas de um bilhete, com as tais letras em tamanho 3, para ver se não são lidas, para ver se as questões legais não afugentam os espectadores, é uma analogia interessante para este Sob Convite. Afinal, o que aqui se faz é, em grande medida, dissecar essas letras minúsculas, provocar pensamento sobre a responsabilidade que é ocupar uma cadeira perante uma criação de um artista, o oposto do lugar passivo e de eventual alheamento. E sim, por vezes parece mais um fórum, uma assembleia, do que aquilo a que costumamos chamar teatro. “Noto que quanto mais nervosa estou mais quero safar o espectáculo, ou seja, estou a perder autonomia se quero agradar ao público, deixo de representar, e portanto como é que espanto a minha ideia de representação, porque é que às vezes acho que isto não é teatro e outras acho que a actriz pode perfeitamente ter este papel de mediação”, desabafa. Mas os nomes das coisas alguma vezes interessaram para alguém?
Polo Cultural das Gaivotas. Seg 21.00. Entrada livre.
criação e interpretação Maria João Falcão