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Na passada quinta-feira, 22, a Estação Sul e Sueste transformou-se numa espécie de cápsula do tempo. O mestre de cerimónias foi o chef Vitor Sobral que preparou um jantar inspirado na alimentação dos romanos, que chegaram ao rio Tejo em 128 a.C. e por cá ficaram durante mais de cinco séculos. Ao jantar, acrescentou-se um mercado de produtos portugueses que se juntaram a este projecto com produtos que também remetem para a presença dos romanos não só na região de Lisboa, como noutras partes do que é hoje Portugal. A iniciativa foi realizada no âmbito do Lisboa Romana | Felicitas Iulia Olisipo, projecto que junta os municípios da Área Metropolitana de Lisboa.
Mas que gastronomia era esta? Segundo Inês de Ornellas e Castro, investigadora do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT – NOVA FCSH) e autora de O Livro de Cozinha de Apício – Um Breviário do Gosto Imperial, focado no gastrónomo romano do século I, “não há melhor forma de descobrir uma civilização do que conhecer a sua mesa”. E na mesa romana havia pão, muitos vegetais, conservas e molhos. Os romanos comiam carne, mas a proteína animal era mais utilizada em momentos festivos e mesmo o peixe só chegava às mesas mais ricas. A civilização romana da antiguidade prolongou-se por muitos séculos e geografias após se tornar um gigante império que dominava praticamente toda a área do Mar Mediterrâneo e mais além, do actual Iraque ao que é hoje Portugal. E por isso mesmo a cozinha do dia-a-dia foi variando ao longo do tempo. Por exemplo, “houve muitos séculos antes de descobrirem que em vez de mexer tinham de amassar o pão.”
Os romanos também eram fortes na produção de preparados de peixe. Em Lisboa, por exemplo, foram encontrados vestígios das chamadas cetárias, tanques que serviam para a salga de peixe e produção de outros tipos de conserva, como o garum, que misturava partes de atum, cavala ou moluscos e que, de acordo com Inês de Ornellas e Castro, também era utilizado para estrelar ovos. “A proteína animal só entra de vez em quando [na cozinha romana], mas o garum é uma forma de comê-la”, explicou.
Esta foi uma civilização que deixou muitas outras marcas. Incluindo coisas tão básicas como nos sentarmos à mesa a partilhar um jantar. “Roma passou da cozinha da necessidade à cozinha do prazer”, disse a investigadora. No entanto, segundo Rodrigo Banha da Silva, professor e investigador do Centro de Humanidades (CHAM – NOVA FCSH) também presente no jantar, “era uma minoria que comia assim”, referindo-se ao consumo desta verdadeira “cozinha de fusão, como chamamos hoje”, pelas camadas mais ricas da sociedade.
Mas vamos aos pratos. Para esta refeição romana, Vítor Sobral fez uma parceria com a Conserveira de Lisboa para criar algumas iguarias inspiradas na gastronomia de então. Primeiro, criaram três novas conservas que pode encontrar nesta loja histórica da cidade e que, segundo o sócio Tiago Ferreira, tem um tanque de sal romano no subsolo. São elas Cavalinhas com Tâmaras, Atum de Ânfora e Cenoura à Romana, conservas que serviram de base ao jantar apresentado pelo chef.
“Simplesmente aproveitei a técnica das conservas para usar os ingredientes que os romanos usavam”, começou por explicar num showcooking que precedeu o jantar. “Descobri que os romanos eram muito ricos, porque usavam frutos secos e mel e hoje as conservas ficariam muito caras com esses produtos”, ironizou Vítor Sobral. Com as cavalinhas com tâmaras, o chef fez uma salada, à qual acrescentou nabo, figo, hortelã, amêndoa e pimenta; à conserva de atum, marinado em vinho tinto, acrescentou cebola e alho crus, temperados com sal, azeite e vinagre, assim como salsa, grão, flor de sal e ovo cozido a baixa temperatura; e, por fim, com a conserva de cenoura fez uma iguaria com queijo de cabra, poejo e tostas de pão de fermentação natural, como se fazia na Roma antiga.
Já o mercado romano que acompanhou a refeição apresentou, além da Conserveira de Lisboa, outros parceiros associados, com sugestões de sítios para visitar e coisas boas para comprar. Entre eles a Câmara Municipal do Seixal, em divulgação da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios; a Câmara Municipal da Amadora, que convidou a uma visita à Villa Romana da Quinta da Bolacha; a Câmara Municipal de Torres Vedras que apresentou a Uvada, um doce tradicional do concelho preparado com mosto de uva fervido, pedaços de maçãs e canela; ou a Câmara Municipal de Sesimbra, que chegou a bordo do Museu Marítimo de Sesimbra, onde também pode conhecer a vila do tempo dos romanos.
Outros dos parceiros presentes neste mercado romano foram a Quinta de S. Sebastião, localizada em Arruda dos Vinhos e produtora de vinhos desde 1755; a Cooperativa Agrícola de Loures que associou a este projecto o seu Mel Multifloral, um produto certificado produzido na melaria da cooperativa; a EUMA, panificação e pastelaria de Torres Vedras; a Queijaria Artesanal Simões, na Quinta do Anjo, em Palmela, que desde 1992 tem aperfeiçoado a arte da cura do queijo de Azeitão; e a Espargos do Vale Transmontano, produtora de espargos, mas também de mel, azeite e chá. Uma prova da ambição de expansão deste projecto Lisboa Romana | Felicitas Iulia Olisipo além da AML. Nesse sentido, está ainda a ser desenvolvida uma parceria com a cidade de Mérida, em Espanha.
Há mais eventos associados a esta Lisboa Romana e o próximo já tem data marcada: a 22 de Outubro realiza-se um rally paper solidário entre vários concelhos, com início em Loures, passando por Lisboa, Seixal e Amadora, e terminando em Palmela. Fique atento às novidades no site oficial.
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