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Carros parados, insultos, pancadaria? Não é do stress da vida moderna, já existia no século XVII. O caso era tão grave que D. Pedro II teve de tomar providências.
Esta placa na Rua do Salvador, perto do Castelo, é a única que resta de 24 mandadas instalar por D. Pedro II e diz: “Anno 1686. Sua Majestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da portaria [início da rua] do Salvador que recuem para a mesma parte”.
Lisboa era à época uma das principais capitais de comércio da Europa, extremamente movimentada, mas com ruas estreitas, de traçado medieval. As discussões sobre quem tinha prioridade e quem tinha de recuar eram frequentes, já que o critério para dirimir a questão era o prestígio social das partes em questão, que não se ficavam. Mas o pior era que a situação chegava por vezes a vias de facto, envolvendo não só criados, como também os próprios nobres. O Memorial de Pero Roiz Soares I, de 1676, relata a caricata situação em que as carruagens de dois nobres permaneceram três horas paradas, uma frente à outra, sem que nenhum cedesse a recuar. Acabou por ser necessária a intervenção do próprio rei, que ordenou que recuassem ambos e voltassem para as suas casas.
Filipe II é o primeiro a tentar resolver o problema, proibindo a circulação de cavalos, liteiras e coches, salvo nos casos por ele definidos, com penas que iam do confisco dos meios de transporte ao... degredo em África! Sucederam-se leis, num claro sinal de que não eram cumpridas. Sem conseguir pôr cobro às zaragatas nas ruas, D. Pedro II decreta em 1686 que os oficiais de Justiça que se deparem com estas situações "prendam as pessoas, de qualquer qualidade que sejam [nobres incluídos, portanto], em suas casas".
Mais tarde, no mesmo ano, define uma primeira regra de código da estrada em que estabelece "…que encontrando-se em ladeiras coches, seges ou liteiras, aonde, pela estreiteza da rua, seja preciso recuar algum delles os que forem subindo sejam os que recuem, pela maior difficuldade que tem os que vem baixando; … e que naquella mesma parte em uma das paredes se ponha padrão, em que estará escripto com clareza quem deve recuar…" Os incumpridores eram condenados a cinco anos de degredo e ao pagamento de 2000 cruzados.
Os problemas de circulação de trânsito nas estreitas ruas da Baixa de Lisboa foram subitamente resolvidos um século mais tarde, mas de uma forma um tanto radical: o terramoto de 1755. Abriram-se ruas mais largas, mais carros vieram, e voltou tudo a estar como dantes: engarrafado.