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Em 2019, Pedro Sousa Loureiro esteve em residência artística num sítio muito pouco óbvio e previsível: a Arménia, mais exactamente em Yerevan, a capital, e em duas localidades rurais, Byurakan e Talin. Aí, entre a tarefa de filmar um documentário, o co-fundador do colectivo Os Pato Bravo vivenciou os contrastes de um país entrincheirado entre o urbano e o rural; entre um passado em que ainda lateja o legado da União Soviética e um presente com os artefactos típicos da contemporaneidade; entre as feridas abertas de uma região perfurada por um genocídio (1915-1923), mais os conflitos geopolíticos recentes, e “uma vontade diária” de seguir em frente; entre um país de costumes conservadores e um país onde as movimentações feministas não passam despercebidas, como Pedro Sousa Loureiro pôde testemunhar em contacto directo com artistas plásticas feministas e outras mulheres “que fazem muita coisa acontecer, com muita garra”, da arte ao ensino.
A partir destas intersecções e destes confrontos, cruzando-os com a obra da artista americana Cindy Sherman e com questões do quotidiano, o criador desenvolveu o espectáculo-instalação Online Distortion/ Border Line(s), que se estreou este mês no Teatro Viriato, em Viseu, e que agora é apresentado na Casa do Capitão, em Lisboa, até domingo, 1 de Agosto. “É na viagem que conhecemos mais, que ficamos com mais mundo, que construímos futuro”, diz Pedro Sousa Loureiro, assinalando duas ligações que estabeleceu na Arménia e que foram centrais para este trabalho: a artista plástica e curadora Lilit Stepanyan, ideóloga da Rural Art Residency Armenia, onde o criador português conheceu Susanna Gyulamiryan, crítica de arte, curadora do pavilhão da República da Arménia na Bienal de Veneza de 2019 e autora da publicação Dialogues With Power, outra referência importante para o espectáculo. “Este tipo de residências são um estímulo e uma salvação para nós, artistas. Percebemos o quão positivo é as micro-estruturas independentes de vários países conseguirem aliar forças.”
Online Distortion/ Border Line(s) desdobra-se em três espaços da Casa do Capitão com vídeo-instalações e acções performativas de Joana Cotrim, Marta Barahona Abreu, Susana Blazer e Pedro Sousa Loureiro. O trabalho de vídeo entrelaça filmagens feitas na Arménia e projecções em tempo real, gerando diferentes trânsitos de tempo, de imagens, de percepções e de escalas – uma “distorção” que serve de ponte para “as discussões disruptivas” entre os intérpretes, numa constante e inconstante “luta de egos, relações hierárquicas, tentativas de perceber como lidamos, entre nós e os outros, com os pequenos e grandes poderes, intersectando tudo isso com a nossa vida quotidiana e histórias mais biográficas”, explica Pedro. “Saltamos de assunto em assunto na tentativa de encontrar um futuro”, numa “viagem” acompanhada pela música original de Francisco Barahona.
Já o cruzamento com a obra de Cindy Sherman é feito através do modo como “a condição feminina está exposta no seu trabalho fotográfico”, passando por explorar “conceitos” como “a feminilidade, a excentricidade e o insólito”. Mas também através de “analogias” estabelecidas com um dos auto-retratos da artista de 2003, Untitled (Self-Portrait with Sun Tan), a partir das quais se reflecte sobre estereótipos de género, nota Pedro Sousa Loureiro, ou sobre “a maquilhagem que nós fazemos em determinados assuntos, como a violência contra as mulheres, mesmo nos supostos ‘países de primeiro mundo’”.
Casa do Capitão (Hub Criativo do Beato, Lisboa). Até domingo. Qua-Dom 21.00. 10€.