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Eis a segunda estreia da temporada dos Artistas Unidos. ‘Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar’, de Davide Carnevali, com encenação de Jorge Silva Melo, estreia esta quarta-feira. Olhemos o mar.
No arranque o mar. Ouve-se o mar e as ondas, a rebentação. Pouco depois sabemos que é o Mediterrâneo. Pouco depois sabemos estamos no Norte de África. Pouco depois sabemos que uma mulher árabe olha o mar. Pouco depois sabemos que um estrangeiro, um europeu, a olha a olhar o mar. É aquele fascínio do diferente, os olhos invulgares, a dificuldade na comunicação, aquele cortejo que parece exigir distância de segurança. Um romance atribulado. É esse o veículo que Davide Carnevali – dramaturgo italiano cuja peça Sweet Home Europa foi encenada por João Pedro Mamede, no Teatro Nacional D. Maria II, em Março – utiliza para dar seguimento às questões europeias. Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar é uma encenação de Jorge Silva Melo na segunda estreia da temporada para os Artistas Unidos. A partir desta quarta-feira no Teatro da Politécnica.
Foi há uns três anos que os amigos da Sala Beckett, de Barcelona, enviaram três peças de Carnevali a Jorge Silva Melo. E foi esta que venceu. “O desígnio do escritor de hoje é o de invadir de personagens, situações, crises, aqueles mesmos palcos que Beckett esvaziou para sempre. E Carnevali traz para o palco uma história típica do ‘orientalismo’ (é também uma versão da Madame Butterfly [John Luter Long e depois adaptado por David Belasco para teatro e por Giacomo Puccini para Ópera] e das Odaliscas de Matisse) para nela injectar tantos dos nossos dramas de agora, a morte dos bairros populares, o hotel-ismo, a relação com outras culturas. O que pensaria uma odalisca quando Matisse a pintava? Esta é a revolta daquele oriental que é olhado pelo europeu como diferente, ‘very tipical’”, comenta Silva Melo.
Voltando ao enredo, convém avisar que o tal cortejo trôpego deu frutos. Um homem sozinho num país que não é o seu – e bem que se repete, ao longo da peça, que este país não é o seu – e que vê naquela mulher árabe junto ao mar uma possibilidade de passagem de tempo, noites menos frias. O insistente “toma cuidado, europeu” vira depois um “porque é que não me levas contigo, para conhecer a tua cidade?”. Pouco depois sabemos que ele está cá em trabalho, que é um arquitecto com a missão de comprar e tornar moderna a cidade velha, a medina desta cidade. Pouco depois vai-se percebendo que isto é tudo transitório. “As culturas de ambos são muito diferentes. E a estadia dele na Cidade é necessariamente breve. Como Pinkerton na Madame Butterfly ele sabe que a vai deixar. Ela receia que ele a arraste para fora, mas é óbvio que não o fará. Como tantas mulheres, ela foi o repouso daquele guerreiro, um intervalo entre dois projectos de urbanização”, enquadra o encenador.
E já que estamos nisto do pouco depois, pouco depois a coisa descamba, ela prepara-lhe uma vingança, o caldo entorna, fim. Mas não sem antes lhe falarmos do cenário, muito simples, com uma plataforma que tanto é cama, como é jardim, como é quarto de hotel, brilhantemente colorido pelas pinturas de Pedro Chorão. “Mal li a peça pensei nos azuis translúcidos do Pedro Chorão, artista que muito admiro, que entende as questões que o Carnevali levanta. E se há alguém que fale das águas transparentes do sul é o Pedro...e a pouco e pouco, as pinturas vão tomando outras tonalidade, são ruas de Marraquexe ou são cor de ferrugem, na longa cena de amor?”, pergunta. Alguém que responda.
Teatro da Politécnica. Ter-Qua 19.00. Qui-Sex 21.00. Sáb 16.00 e 21.00. 6-10€.