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Estamos naquela altura do ano e estamos no país certo. A sardinha portuguesa é das mais saborosas do mundo, muito por causa de um fenómeno marinho, conhecido como upwelling, que traz alimento em abundância às águas ibéricas e as torna mais gordas e saborosas.
Acontece que nem toda a sardinha vendida em Portugal é portuguesa e, sobretudo, nem toda é bem cozinhada. Eis o meu decálogo para se ter a experiência perfeita e evitar desilusões, quer pense assá-las em casa, quer prefira ir a um restaurante ou a uma tasca comê-las.
- Tomarás atenção ao cachaço
Se for comprar sardinha, já sabe que tem de ver se o olho está translúcido e a pele brilhante, porventura com uma camada viscosa e translúcida à superfície. Outro sinal de frescura é a textura. A sardinha deve estar retesada, podendo mesmo surgir com a forma de uma foice, e deve estar bem gordinha. Uma das formas mais fáceis de perceber se está bojuda é colocando-a direita e avaliando a largura do cachaço, de cima. - Não as comprarás com os rabos quebrados
Há dias, num restaurante famoso, serviram-me umas sardinhas com os rabos todos partidos. Rabos partidos podem ser um sinal de que a sardinha já foi congelada, uma vez que a congelação lhes tira a elasticidade. Atenção que uma boa sardinha, congelada no seu pico de forma, pode ser melhor do que uma outra fresca, capturada precocemente. Há uns anos, fiz uma prova cega de umas e outras e foi difícil perceber as diferenças em termos de sabor. A grande questão é que a maioria das sardinhas congeladas são mal conservadas. Acresce que a sua textura é, inevitavelmente, mais seca. - Atentarás ao tamanho
O tamanho importa, sim. Eu sou da equipa que as prefere mais pequenas, as conhecidas como meio-peixe. As sardinhas “meio-peixe” são mais equilibradas, têm escamas mais curtas e espinhas fininhas e inofensivas. Mas sucede que, em Lisboa, dificilmente se encontram sardinhas destas. As pequenas vêm normalmente do Algarve e são em menor quantidade. Para as encontrar, temos de andar meia hora de carro, até Setúbal ou Sesimbra, onde os restaurantes frequentados pelos locais, grandes conhecedores e assadores, preferem a sardinha algarvia. No Centro e Norte de Portugal, por outro lado, dominam os portos de Peniche e Matosinhos, zonas de pesca da sardinha grande que vemos nos mercados. - Deverás confiar no cheiro
A sardinha fresca cheira a mar, não a “peixum”, nem sequer a sardinha. O cheiro intenso a sardinha só deve acontecer depois da gordura pingar nas brasas, depois de as cozinhar. Por isso, se as for comprar frescas, não tenha vergonha de as snifar sobre a banca. Se conseguir, aproxime o nariz da zona da barriga, onde estão as vísceras, que são os primeiros órgãos a deteriorarem-se. Em princípio, a sardinha foi pescada na tarde do dia anterior, ou mesmo na manhã do dia em que é comercializada, e por isso estará fresca. Mesmo nos grandes supermercados (os maiores compradores nacionais), é seguro comprá-la. - Salgarás a sardinha com antecedência
A sardinha não precisa de grandes preparações. Mas há um detalhe que pode fazer a diferença: a salga. O sal tempera a sardinha e retira-lhe alguma humidade, contribuindo para que fique mais firme. Em alguns restaurantes é comum as sardinhas ficarem em caixas com uma mistura de gelo laminado e água salgada – no fundo, uma salmoura fresca. Mas para as cozinharmos em casa é mais prático juntarmos-lhes apenas sal grosso, marinho. O ideal é fazê-lo meia hora antes de ir para a grelha. - Usarás uma grelha fechada
E por falar em grelha. Se não tiver mãos calejadas, esqueça a ideia de virar as sardinhas uma a uma. Em Setúbal, no restaurante Verde e Branco, há um homem que o faz, usando apenas uma pequena navalha – mas é dos únicos que conheço, e chamam-lhe o Ronaldo das sardinhas. Assumindo que Ronaldo só há um, quem assa sardinhas sabe que é essencial usarem-se grelhas duplas, que seguram o peixe sobre o barbecue. Para além de evitarem queimadelas nas mãos, têm ainda a grande vantagem de permitir virar uma série de sardinhas todas ao mesmo tempo.
- Preferirás os restaurantes perto do mar ou de mercados
Estão-me sempre a perguntar onde se comem boas sardinhas. Há os clássicos junto ao rio ou ao mar, como o Último Porto, em Lisboa, ou o Quitanda, no Clube Naval de Paço d’Arcos. Mas eu diria que em qualquer tasca de bairro lisboeta onde haja um fogareiro e um tipo com a mania que percebe de grelhados (praticamente todos os indivíduos do sexo masculino) podemos ser felizes. Das coisas mais importantes, é a distância entre o fornecedor da matéria-prima e o restaurante, valendo aquela regra universal: tascas num raio de 500 metros de lotas ou mercados de peixe abastecem-se mais vezes, com peixe mais fresco. - Vais comê-la no pão, à mão
Comer sardinhas não é uma coisa limpa. Implica usarmos as mãos. Quem nunca experimentou comer sardinha sobre uma fatia de pão, depenicando os lombos com a ponta dos dedos, tem de experimentar pelo menos uma vez. As vantagens são sobretudo duas. Primeiro, come-se mais depressa. Segundo, a gordura da sardinha vai pingando no pão, que é uma espécie de final feliz. - Não comerás a pele toda
Atenção, nunca encontrei evidência científica disto. É um mandamento que vai só da minha experiência pessoal e de testemunhos ocasionais de amigos. Eu adoro a pele da sardinha, é lá que está grande parte do sabor. Mas se a comer toda fico enjoado durante uma semana. Acontece o mesmo, aliás, com outras peles, como a do pimento. No caso da sardinha, o que faço é comer apenas um bocadinho da pele e procurar descartar a maior parte, cuidando que não ingiro nenhuma escama. - Deixarás apetite para Agosto
É um Junho que nos apetece mais comer sardinhas. Mas é em Julho, e sobretudo em Agosto e Setembro que ela costuma atingir o seu auge. Para se ter uma ideia, a sardinha em Junho tem cerca de 8 por cento de gordura, mas em Agosto pode chegar aos 20 por cento. Quanto ao preço, Agosto também é quando está mais barata. O que sucede é que, nesta altura, a maioria das pessoas já se enfartou. Por isso, o meu conselho é que vá com calma. Corte nas sardinhas medíocres de Junho e guarde-se para Agosto.
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