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Os Três Irmãos é o resultado de um encontro feliz entre o coreógrafo e encenador Victor Hugo Pontes e o escritor (cada vez mais próximo das artes performativas) Gonçalo M. Tavares. Estreado em Setembro no Teatro Viriato, em Viseu, este espectáculo chega agora ao palco digital do São Luiz Teatro Municipal, onde estará em cena de 1 a 4 de Abril, seguido de dois momentos: Irmãos, um documentário de Miguel C. Tavares que regista o processo de criação da peça (8 a 11) e, no dia 10, o lançamento online da publicação homónima, um caderno de criação bilingue que inclui o texto original de Gonçalo M. Tavares, fotografias de José Caldeira e ensaios de Madalena Alfaia, Tiago Bartolomeu Costa, Joana Gama (pianista co-autora da música do espectáculo) e Patrícia Portela, onde, cada um à sua maneira, apresentam reflexões sobre esta criação e sobre o percurso de Victor Hugo Pontes. O evento terá lugar às 18.00 na página de Facebook da Nome Próprio, a estrutura dirigida pelo coreógrafo.
Esta espécie de trilogia multiforme, que se revela uma mais-valia em tempos de programação e fruição cultural online, procura contornar a efemeridade das artes performativas, criando memória e arquivo. “Quero começar a apostar neste registo, porque o que fazemos já é tão efémero”, diz Victor Hugo Pontes. “Quero passar a ter um realizador diferente que me acompanhe em cada projecto.” Nesta nova criação, o realizador Miguel C. Tavares é também o autor do vídeo do espectáculo, que foi refilmado no palco do São Luiz. “Não fizemos alteração nenhuma na peça, não me interessava criar outro objecto a partir deste. Fizemos, isso sim, outro trabalho de câmara”, explica Victor Hugo Pontes. O objectivo foi estabelecer uma maior proximidade com os intérpretes, algo que no presencial não é normalmente possível.
Os Três Irmãos começou a ser germinado pré-pandemia. Além da vontade de colaborar com Gonçalo M. Tavares, Victor Hugo Pontes queria fazer uma peça com três intérpretes homens (Dinis Duarte, Paulo Mota e Valter Fernandes foram os escolhidos) e focada no tema da família. “Dado a proximidade de idades entre os três intérpretes, o mais lógico era serem irmãos. A partir daí, foi a ficção do Gonçalo a funcionar.” O modus operandi foi curioso: em vez de acompanhar os ensaios, o escritor pediu a Victor Hugo Pontes uma listagem de palavras que ele quisesse usar e que estivessem relacionadas com a família, directa ou indirectamente. “Tem a ver com a forma de o Gonçalo trabalhar: ele diz que não trabalha por imagens, mas por palavras. É engraçado que ele viu os intérpretes só quando o processo de criação já estava avançado”, conta o coreógrafo e encenador.
O texto que lhe chegou às mãos surpreendeu-o. “Por um lado, fiquei bastante entusiasmado porque tinha muita acção. Nunca esperei que o Gonçalo fizesse um texto dramático, uma peça de teatro. Por outro lado, identifiquei-me com o que ele abordava no texto.” Victor Hugo Pontes queria questionar “o aqui e o agora”, e a família é o que “está lá sempre”. O facto de ter realizado projectos com pessoas que tinham histórias familiares complexas, e ter percebido como isso “as desestruturou”, fez com que o tema da família se tornasse cada vez mais presente – e isso saiu reforçado com a pandemia, numa altura em que as relações afectivas estão tão minadas pela distância.
Apesar do timing, ficou acordado entre Victor Hugo Pontes e Gonçalo M. Tavares que a pandemia não se tornaria um assunto. Outra das decisões foi fazer um espectáculo de dança, mesmo havendo um texto dramático concebido de raiz. Nada que seja estranho a Victor Hugo Pontes, que ao longo do seu percurso foi adaptando peças de teatro à coreografia, inclusive textos canónicos como A Gaivota de Tchékhov, investigando os espaços possíveis e imaginários entre a palavra dita e o gesto. Contudo, fez questão de manter a palavra escrita em cena, de modo a estabelecer uma relação mais evidente entre o texto e as acções dos intérpretes.
Se nos processos de criação dos seus outros espectáculos Victor Hugo Pontes começava por trabalhar “frases coreográficas” que entregava aos intérpretes, nesta peça a dinâmica foi outra: mais ligada “às acções e aos gestos”, um vocabulário mais cru, até porque lhe interessava “explorar as tensões e os conflitos” entre estes três irmãos. A tensão é o fio condutor do espectáculo. “Não é uma peça leve. Tem algum humor, mas é um humor negro”, considera o coreógrafo. “No início eles coabitam, fazem coisas juntos e, apesar de a tensão estar lá, ela não é evidente. Começa a ser quando é revelado o confronto com o passado e quando eles tentam desvendar um mistério: a marca que um tem e que os outros não têm, de onde é que ela vem.” Já dizia Tolstói: “Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” “Não acho que todas as famílias sejam como esta, mas normalmente há mesmo esta coisa do amo-te e do odeio-te. Não é algo linear.”
Depois do São Luiz, Os Três Irmãos seguem para o DDD – Festival Dias da Dança, que este ano terá dupla existência, no digital e no presencial. A quinta edição decorre entre 20 e 30 de Abril e o espectáculo de Victor Hugo Pontes será uma das criações nacionais em destaque, tanto offline como online.
Sala virtual do São Luiz. 1 a 4 de Abril, entre as 19.00 e as 00.00. Bilhetes a 3€.
+ Festival Política debate "Fronteiras" com teatro, poesia, cinema e conversas
+ Abril celebra-se sem abraços, mas com música, leituras e passeios