[title]
Se não marcasse a cidade e as nossas vidas há 40 anos, diríamos que o Jazz em Agosto era uma miragem. Que um festival assim – singular e destemido, indiferente a pressões externas – não podia existir. Ou pelo menos continuar a existir na Lisboa neoliberal e turistificada de agora. Mas existe e resiste em pleno Verão, ano após ano, animado pelo sopro libertador do jazz, com música em carne viva, sem medos.
E este ano – pela primeira vez desde a pandemia – começa mesmo em Agosto. Logo no primeiro dia do mês, quinta-feira, mantendo-se no anfiteatro ao ar livre do Jardim Gulbenkian até domingo, 11, com extensões para os auditórios nos fins-de-semana.
“A 40.ª edição não será uma edição comemorativa”, no entanto. Pelo menos não é encarada dessa forma por José Pinto e Rui Neves, responsáveis pela direcção executiva e artística. “É mais uma parte que se vai juntar ao todo, reunindo no espaço do festival as escolhas musicais que consideramos ser as mais marcantes e desafiadoras no jazz e na música criativa menos acomodada do tempo presente.”
Tudo isto é jazz – mas não só
Na sessão de abertura, já esgotada, toca o saxofonista e compositor James Brandon Lewis, desta feita acompanhado pelo seu Red Lily Quintet, com Kirk Knuffke na corneta, Silvia Bolognesi (a substituir William Parker) no contrabaixo, Chad Taylor na bateria e Tomeka Reid (em vez de Chris Hoffman) no violoncelo. Na terceira passagem pelo Jazz em Agosto, o nova-iorquino recupera o repertório de For Mahalia With Love, disco-homenagem à cantora afro-americana Mahalia Jackson, editado em 2023.
Quem não conseguir ver Brandon Lewis no primeiro dia, tem outra oportunidade de escutá-lo na sexta-feira, 2, inserido no quarteto Mendoza Hoff Revels, ao lado da guitarrista Ava Mendoza, do baixista Devin Hoff e do baterista Ches Smith. No álbum Echolocation (2023), os quatro aproximam-se do rock progressivo e do punk. Mas antes, às 18.30 de sexta-feira, vai ser possível assistir à segunda apresentação pública do trio de Norberto Lobo (guitarra eléctrica), Helena Espvall (violoncelo) e Maria da Rocha (violino), músicos com corpos de trabalho vastos e multiformes, que não se ficam pelo jazz, indo da folk mais livre à composição clássica.
A pródiga Ava Mendoza volta a pisar o anfiteatro ao ar livre no dia seguinte para um dos concertos mais aguardados desta edição, com o Bill Orcutt Guitar Quartet. O nome desvenda que é Bill Orcutt, ex-Harry Pussy e um dos grandes inovadores vivos da música para guitarras, à frente de um quarteto de cordas, neste caso duas Telecasters e um par de Jazzmasters. Contudo, o trabalho feito com Mendoza, Shane Parish e Wendy Eisenberg – primeiro em Music For Four Guitars (2022), entretanto gravado ao vivo e documentado em Four Guitars Live (2024) – transcende quaisquer expectativas. É pós-punk, é minimalista, é free-jazz, é tudo isto e mais.
A guitarrista norte-americana toca pela terceira e última vez neste Jazz em Agosto às 18.30 de domingo, 4, no Auditório 2, com a violinista Gabby Fluke-Mogul, a sua companheira no duo AM/FM. Um dia antes, à mesma hora, mas no grande auditório da Fundação Gulbenkian, os pianistas Sylvie Courvoisier e Cory Smythe revisitam o álbum The Rite of Spring – Spectre d'un Songe. E o fim-de-semana acaba ao som do decateto Sound of Serendipity, do baterista Lucas Niggli, na noite de domingo, 4.
A semana começa com o trio luso-brasileiro MOVE, editado pela Clean Feed, na segunda-feira, 5. Seguem-se, na terça-feira, 6, os portugueses The Selva, que também lançaram o seu Camarão-Girafa pela Clean Feed; o trio do guitarrista Brandon Seabrook, na quarta-feira, 7, com Gerald Cleaver (bateria, electrónica) e Pascal Niggenkemper (contrabaixo); e, na quinta-feira, 8, uma apresentação de fLuXkit Vancouver (i̶t̶s suite but sacred), peça improvisativa e livre do saxofonista Darius Jones, com bateria e cordas a acompanharem o seu sopro.
O grande auditório volta a abrir as portas no final da tarde de sexta-feira, 9, para receber de volta o arrojado DJ, compositor e videasta austríaco dieb13. Vem apresentar o seu Beatnik Manifesto, acompanhado por 14 músicos com quem colaborou ao longo dos últimos anos. Já no anfiteatro ao ar livre, depois das 21.30, tocam The Locals, grupo que o pianista Pat Thomas juntou há alguns anos para tocar e se apropriar (no melhor sentido) das composições de Anthony Braxton.
O festival continua a mostrar o que pode ser hoje o jazz no sábado, 10. Primeiro, o quarteto português Made of Bones apresenta o álbum deste ano, Genera of Birds. Depois, o visionário trompetista norte-americano Peter Evans e a sua banda Being & Becoming (com Joel Ross no vibrafone e percussão, Nick Jozwiak no contrabaixo e Michael Shekwoaga Ode na bateria) mostram o que fez do seu Ars Memoria um dos discos fundamentais do ano passado.
O Jazz em Agosto despede-se no domingo, 11, com mais dois concertos a não perder. Pelas 18.30, no grande auditório, tocam os Black Duck, supergrupo de Chicago que no álbum homónimo deambula livremente entre a folk, o rock e os blues, evitando o óbvio. Não se esperava menos de Douglas McCombs, um dos pioneiros do pós-rock Tortoise, do guitarrista Bill MacKay e do baterista e improvisador Charles Rumback. Já de noite, o anfiteatro ao ar livre rende-se à Fire! Orchestra de Mats Gustafsson, formação e músico fulcrais do jazz escandinavo mais libertário, que editou Echoes em 2023. Foi um dos melhores discos do ano; vai ser um dos melhores concertos.
Fundação Gulbenkian (Lisboa). 1-11 Ago (Qui-Dom). 7€-130€
Siga o canal da Time Out Lisboa no Whatsapp
+ Entre o Cais do Sodré e o Beato, o MIL dá a conhecer mais de 50 bandas e artistas