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Património da Câmara, Beau Séjour será reabilitado (com quiosque no jardim)

Não sofre obras de fundo desde os anos 90, mas em 2025 será lançado o concurso de projecto para a quinta de São Domingos de Benfica. Fomos visitar o refúgio onde já se passeou de barco e onde hoje se estuda a história de Lisboa.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Palácio do Beau-Séjour
Francisco Romão PereiraPalácio do Beau-Séjour
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Nem todos saberão, mas quem entrasse no Palácio do Beau Séjour convidado para jantar, noutro século, tinha à sua disposição um lavatório da autoria de Bordalo Pinheiro, antes de se encaminhar para o nobre salão dos comensais. Pela boca de um peixe sairia a água; nas laterais, esperariam os sabonetes, cuidadosamente colocados em conchas de cerâmica, uma para as senhoras, outra para os senhores. "É a maior peça de cerâmica aplicada de Bordalo Pinheiro", conta à Time Out Hélia Silva, coordenadora do Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO), que aqui tem a sua casa, numa visita guiada ao edifício do século XIX. A peça foi restaurada durante quatro meses, a pincel e paciência, apresentando-se de cara renovada em Maio.

Painel-lavatório de Bordalo Pinheiro
Francisco Romão PereiraPainel-lavatório de Bordalo Pinheiro

A recuperação do lavatório é uma das operações que marca o regresso da também conhecida como Quinta das Campainhas, em São Domingos de Benfica, à boa forma física. Contam-se, ainda, o restauro de um vitral da sala de jantar ou a limpeza do lago à entrada do edifício onde se chegou a passear a bordo de uma pequena embarcação –, bem como a intervenção sobre o muro exterior da quinta, que faz a fronteira com o passeio e que apresenta sinais de cedência perante a força das raízes das árvores. O muro foi, inclusive, vedado pelos serviços da Câmara, para proteger quem passa de eventuais quedas de "pequenos pedaços de cimento", mas também dificultando o uso do passeio. A autarquia esclarece, no entanto, que a estrutura "não está em risco de cair" e que, ainda em Outubro, vai "reconstruir todo o capeamento do muro e reabilitar o gradeamento, incluindo o portão".

O muro que dá para a Estrada de Benfica
Francisco Romão PereiraO muro que dá para a Estrada de Benfica

Estas são obras do presente. Já o futuro deverá acontecer em 2026, com o palácio e o jardim de São Domingos de Benfica a serem alvo de obras de restauro e reabilitação. A última intervenção de fundo no local foi na década de 1990. "De momento, decorrem o levantamento topográfico e o estudo fitossanitário, prevendo-se o lançamento do concurso de projecto no segundo semestre de 2025", detalha a Câmara Municipal de Lisboa (CML) numa resposta por escrito enviada à Time Out. Seguindo-se os prazos estimados, a empreitada deverá arrancar algures em 2026 e terminar cerca de "um ano e meio" depois, calcula Hélia Silva.

Jardim do Palácio do Beau-Séjour
Francisco Romão PereiraJardim do Palácio do Beau-Séjour

O resultado será um Beau Séjour devolvido como espaço público à população (é propriedade da CML) com um jardim arranjado, um palácio sem infiltrações e outros sinais de degradação e uma cafetaria aberta ao público, instalada num quiosque no patamar superior do jardim, junto às traseiras do edifício principal. Talvez alguns se recordem que chegou a existir um café no interior do palácio, "algo que dá sempre alguma vida", mas encerrou em 2010.

De repouso da viscondessa a centro de investigação

O edifício do século XIX não vive hoje a glória de outros tempos, denotando fragilidades, desde as infiltrações já referidas ao gradeamento enferrujado e partido ou à forma como as exposições temporárias e o trabalho do GEO se misturam com a estética palaciana, por falta de espaço disponível. Também no plano da organização haverá alterações, com a mudança do arquivo (de cartografia a livros e outros documentos que contam a história de Lisboa, de bairro a bairro, atravessando várias décadas) para o edifício das antigas cavalariças, onde "vai ficar mais bem acondicionado", garante a coordenadora. A mudança vai permitir, ao mesmo tempo, usufruir com maior liberdade do edifício central, que continuará a acolher os gabinetes dos 21 investigadores, exposições e todos os curiosos que se interessem pela cidade. 

Palácio do Beau-Séjour
Francisco Romão PereiraPalácio do Beau-Séjour

"Isto não é só um local para investigadores. Acho que qualquer pessoa que viva ou se interesse por Lisboa deve vir aqui, para conhecer a história da cidade ou do seu bairro. Até porque nós só protegemos aquilo que conhecemos", defende Hélia Silva. À narrativa chegou muito recentemente, este mês de Outubro, mais um contributo: o espólio do gabinete de Duarte Pacheco, engenheiro fundamental do Estado Novo e para construção de Lisboa, que impulsionou criações como o bairro de Alvalade, a Fonte Monumental da Alameda ou o Estádio Nacional.

Um dos mapas da cidade e do arquivo do GEO
Francisco Romão PereiraUm dos mapas da cidade e do arquivo do GEO

Os gatos, os patos e a sequóia

Regressando à glória de outros tempos, para conhecer a história do Palácio do Beau-Séjour é preciso recuar a 1849, ano em que a Viscondessa da Regaleira decidiu ordenar a sua construção, de forma a tornar as viagens entre Sintra e Lisboa menos cansativas. Funcionando como apeadeiro de repouso, a quinta "era enorme", chegando praticamente até onde hoje se situa o Estádio da Luz. Mais tarde, foi comprada pelo Barão da Glória, responsável por inúmeras transformações, como o forro da parede exterior em azulejo ou a chegada de inúmeras espécies ao jardim, da araucária à sequóia. "É incrível termos uma árvore destas em São Domingos de Benfica, não é?", comenta Hélia Silva, durante a visita. Bem relacionados, os sobrinhos do barão terão feito aqui chegar fingidos de madeira, diferentes obras dos irmãos Bordalo Pinheiro (Rafael, Columbano e Maria Augusta) ou o impressionante tecto pintado por Francisco Vilaça.

"O Carnaval de Veneza", de Columbano Bordalo Pinheiro
Francisco Romão Pereira"O Carnaval de Veneza", de Columbano Bordalo Pinheiro

Do barão a quinta passou para a família Dias de Almeida, que aqui viveu tempos de conforto e requinte, com micro-passeios de barco no lago frontal, leituras sem pressa na biblioteca e eventuais cigarradas no jardim de inverno, sempre com as visitas habituais da fauna local. Ainda hoje, patos selvagens aproveitam para aqui se refrescar, vindos da Mata de Benfica ou dos Jardins da Gulbenkian. "Temos sete gatos, de que cuidamos", enumera Hélia Silva, e há ainda a presença frequente dos cães dos moradores do bairro, que contam com o jardim como o seu espaço verde de proximidade. "Muita gente vem também para cá namorar", possivelmente atraída pela ambiência do local a que a condessa decidiu apelidar de "bela estadia", com o devido traço francês valorizado à época.

Palácio do Beau-Séjour, no século XIX
Francisco Romão PereiraPalácio do Beau-Séjour, no século XIX

"Este lugar é como uma cebola, com várias camadas", tal como a história da cidade, comenta a coordenadora do GEO. As múltiplas camadas poderão ser descobertas num livro que o Gabinete de Estudos Olisiponenses está a preparar enquanto as obras não avançam, a partir de fotografias do Arquivo Municipal de Lisboa, sobre as vidas que por aqui passaram. Será um documento para celebrar o retorno do palácio à vida pública, na sua (outra) nova vida.

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