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Pedro Penim e os figurinos da sua 'Casa Portuguesa': "O teatro é uma obra de arte total"

Na primeira encenação enquanto director artístico do D. Maria II, Pedro Penim escolheu a marca Béhen para vestir uma família que é também um retrato de Portugal. 'Casa Portuguesa’ estreia-se a 22 de Setembro.

Joana Moreira
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Joana Moreira
Jornalista
Casa Portuguesa
Filipe Ferreira
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Quatro paredes caiadas e inspirações sobre a mesa. Numa pequena sala no Teatro Nacional D. Maria II, Joana Duarte espalha tecidos bordados, imagens de desfiles – de Schiaparelli a Balenciaga –, fotografias de carpideiras, retratos de Amália Rodrigues e exemplares da revista Ilustração Portugueza. São algumas das referências para o figurino de Casa Portuguesa, a primeira peça de Pedro Penim enquanto director artístico do Teatro Nacional e que abre a temporada esta quinta-feira.

Depois de Pais e Filhos, Penim avança para o segundo capítulo “de uma espécie de trilogia dedicada à família e que terá o seu último acto na programação do próximo ano”, adianta. O texto foi criado a partir de três elementos: um diário de guerra do pai, Joaquim Penim; o fado ‘Casa Portuguesa’; e o ensaio ‘Filosofia della casa’, de Emanuele Coccia.

Na peça, em cena de 22 de Setembro a 16 de Outubro, habitam os fantasmas da Guerra Colonial, remexem-se “feridas abertas da nossa história”, denunciam-se as garras do patriarcado, questionam-se as masculinidades, repensam-se hierarquias familiares. É uma casa demolida, destruída, que contrasta com os figurinos. “O cenário é desolação e o figurino é um ponto de luz. É nesse embate que o espectáculo se vai desenrolar", diz Penim à Time Out. 

Casa Portuguesa
Francisco Romão Pereira

A procura por uma representação da tradição portuguesa actualizada levou-o ao encontro de Joana Duarte, designer atrás da Behén, marca assente nos princípios de upcycling, trabalhando a partir de desperdício (como antigos enxovais) e com artesãos locais. A ligação do teatro à moda portuguesa de autor não é nova – Dino Alves, Nuno Baltazar, Valentim Quaresma ou José António Tenente são exemplos dessa permeabilidade entre áreas, tendo este último abandonado até o mundo da moda para se dedicar em exclusivo ao trabalho de figurinista. Mais raras são as incursões de jovens criadores, mais ainda quando apresentam de forma regular nas semanas de moda portuguesas.

À Time Out, a designer garante que a construção de um figurino em nada tem a ver com a construção de peças para apresentar em contexto de desfile. No primeiro, “exige-se uma liberdade de movimentos”, explica. Assim, a reinterpretação do bordado da Madeira, habitualmente sob o brilho da passerelle na Moda Lisboa (a marca falha o calendário esta edição) está agora no escurinho dos bastidores, à espera da deixa para entrar em palco. A técnica está presente nas últimas colecções da marca, mas Duarte não se cingiu a ela para vestir quatro das cinco personagens do elenco: Carla Maciel, a mulher na peça; Sandro Feliciano, o rapaz; e a dupla Fado Bicha (Lila Tiago e João Caçador) – de fora ficou João Largato, o homem, que Penim defende como necessitando de um guarda-roupa mais “funcional”. 

Casa Portuguesa
Francisco Romão Pereira

“Se a Casa Portuguesa fosse um figurino o que seria?”, perguntou-lhe o encenador em jeito de desafio há vários meses. E assim lançou a criadora numa pesquisa profunda pela arte e engenho de artesãos por todo o país. “Estou a apresentar materiais com os quais nunca tinha trabalhado”, admite Joana. É o caso do “bordado palha de trigo com tule, que é dos Açores e está praticamente extinto”; as “passamanarias, que temos aqui no centro de Lisboa quem as faça e nunca foram trabalhadas”; ou os “palmitos, de Viana do Castelo, que são feitos por uma associação de mulheres que os faz para as festas da Nossa Senhora da Agonia”.

Esta viagem por Portugal de norte a sul, rica em conversas com gente cujo saber não está ainda em caracteres digitais (“Ainda ontem falei com uma senhora que me disse que havia outra aldeia onde faziam coisas parecidas a isto, mas não são os palmitos. Mas é no Alentejo, a caminho de Arraiolos. Tenho de a ir procurar”, ri-se), materializa-se além das vestes. “Estes materiais que a Joana foi trazendo acabaram por alimentar a própria escrita da peça”, assume Penim, que foi trabalhando a par com a designer. “O teatro é uma obra de arte total, não é só teatro, é uma coisa que vai buscar referências à fotografia, às artes plásticas, à moda, à pintura”, diz.

Casa Portuguesa
Francisco Romão PereiraOs palmitos de Viana do Castelo.

No final, sobressaem os trajes ricos numa casa em ruínas a que, de tempos a tempos, torna à canção cantada por Amália Rodrigues, no início dos anos 1950. “É uma espécie de fado alegre que muita gente conhece e que ainda hoje consegue cantar, mas que é ao mesmo tempo um fado polémico porque está muito identificado com a ditadura e faz uma espécie de apologia da pobreza, do que era a casa portuguesa nos tempos do Estado Novo”, afirma Pedro Penim. Na voz de Lila Tiago (Fado Bicha), as palavras escritas por Reinaldo Ferreira e Vasco Matos Sequeira ditam o tom: “A alegria da pobreza/ Está nesta grande riqueza/ De dar e ficar contente”. Também ao público é pedido, a dada altura, que preste a sua voz a cantar. Resta saber se o pudor em fazê-lo se vai dever à timidez ou ao desconforto do significado das palavras. “Não podemos construir futuro sobre os escombros de uma casa morta”, diz em palco Carla Maciel, no papel de mulher feminista. “Às vezes é preciso provocar, para as pessoas ouvirem mesmo”.

Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa). 22 Set-16 Out. Qua-Sáb 19.00 Dom 16.00. 9-16€  

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