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Há um oásis na Graça onde a portugalidade chega ao prato vinda do fogo. Um sítio em que a mesa aproxima pessoas num sonho materializado a céu descoberto e iluminado por velas. Plano, como foi baptizado, é a mais recente aventura do chef Vítor Adão a título individual, e nele percebemos que na cozinha, como na vida, também a loucura cabe num método.
”Olá, sejam bem-vindos", ouve-se, assim que a porta abre. Do lado de lá é o chef Vítor Adão quem vai recebendo os convidados, um a um; ritualístico mas despretensioso, como se o cenário que nos espera fosse o de um jantar de amigos. Há nele um entusiasmo palpável, de quem sabe exactamente o que faz. Adão tem 29 anos e um currículo extenso. Cabe nele o miúdo que queria ser jogador de futebol e que escondia os tachos debaixo da cama da mãe quando as aventuras pela cozinha não resultavam. Cabe nele o amor ao Norte, aos produtos, um perfeccionismo assombroso e, paralelamente, um abraço de quem, por entre sorrisos e olhar fixo, chega à mesa e nos explica exactamente o que vamos levar à boca.
Não é que fosse este o plano quando serviu de braço direito de Ljubomir Stanisic no 100 Maneiras, ou quando dividiu os louros num pop-up no Izakaya Tokkuri com Lucas Azevedo. Mas os ciclos, diz, não devem obedecer ao conforto. “Tenho uma filosofia de vida que me diz que devemos criar ciclos, quebrar ciclos e reatá-los. Ou seja, só quando há uma quebra é que conseguimos evoluir. Precisamos de desafios novos, de nos colocarmos em cheque, e eu sempre fui o tipo de pessoa que quando sente que está na zona de conforto, gosta de saltar fora. Gosto de novas ideias, de novas formas de trabalhar.”
O salto levou-o até este novo projecto, o Plano, a título próprio. Jantares intimistas à luz das velas, num máximo de 18 pessoas a cada levada, plantados no jardim da guesthouse Dona Graça. “Decidi fazer uma coisa que me afastasse do fine dining, que me reencontrasse com as minhas origens, em que nos sentamos e, por exemplo, comemos coisas com as mãos.”
O menu é simples: oito momentos trabalhados ao grelhador e servidos na companhia de vinhos seleccionados pelo próprio. “No fundo há uma fórmula aqui. Durante o menu, ao princípio, quase que não dou conversa porque a minha ideia é que as pessoas cheguem e comam. Depois entra o momento português, muito representativo do trabalho que ando a fazer, de procura de produto, de trazer, escolher e modificar produtos. A partir daí entra uma coisa mais elaborada, mais fina, que nos leva de volta ao menu. E ainda dá mais voltas.”
Mas antes, à chegada, é um cocktail de melancia, vodka e menta que abre o jogo. Sentamo-nos. Vítor percorre o jardim uma e outra vez, ultima preparativos. Cavala, batata e pele de frango, empratados sem cerimónia, à espera que as mãos mergulhem. Cabeça de xara e pickle de beterraba são a segunda vaga e o prelúdio ao segundo momento, pautado pelo retrato gastronómico que se estende do Alentejo a Mirandela.
Há presunto de porco alentejano, queijo de ovelha de Arraiolos, azeite de Suçães, azeitonas de Mirandela e pão de fermentação lenta. É ele o cicerone, tudo isto é a sua própria viagem – da ferocidade na escolha de produtos sazonais e na aposta em pequenos produtores ao caos funcional da surpresa na hora do sabor. Continuamos estrada fora.
Carapau, berbigão e nabo iniciam o terceiro momento. “Quero acabar com estigmas, que os menus devem ser presos e aborrecidos, que temos de servir um branco com peixe e um tinto com carne, que em menus de degustação não podemos intercalar entre comer à mão e voltar a tirar”, diz. É neste desafio à norma que vai fazendo a bandeira. “Quero utilizar animais por inteiro, quero utilizar 95% de produtos da época, fazer o menos lixo orgânico possível. Quero que as pessoas se sintam bem. Que te sentes, mas que possas levantar-te, fumar, gritar, o que quiseres.”
O jantar continua com o prego de vaca biológica, a corvina com cenouras e batatas de Chaves, a presa de porco preto com tomates de Verão e beldroegas. As sobremesas são de assinatura e profundamente apontadas à surpresa. Melancia grelhada com aipo e coentros e aletria cremosa com trevos e manjericão.
O que o motiva, afinal, é tão simples como um “porra, o que é isto?!”, atira. Um apontamento fora da caixa, um sabor inesperado, uma combinação que, mesmo sendo expectável, nos envia de volta ao conforto da descoberta. É arriscado, ele sabe, mas só quando a loucura deixar de fazer sentido é que o medo aparece. “Dentro da minha loucura eu vejo um fio condutor, e no dia em que deixar de o ver, assusto-me. Não me quero perder. Não tenho medo de mais nada: mudar de equipas, de trabalho, de país.”
É já a partir de Outubro que tudo muda novamente e o Plano passa a comportar um conceito de restaurante interior.
Rua da Bela Vista à Graça, 128 (Graça). 91 317 0487. Qua-Dom 19.30. (70€ menu de oito momentos com bebida).