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Pode o Palácio Pombal ser uma casa para os Artistas Unidos? Junta de freguesia acha que sim

Propriedade do edifício abandonado, onde funcionou o Carpe Diem, é tripartida entre Estado, Câmara e privado. Companhia de teatro está aberta a "todas as possibilidades".

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Artistas Unidos a preparar a saída da Politécnica
Francisco Romão PereiraArtistas Unidos a preparar a saída da Politécnica
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A Câmara Municipal de Lisboa (CML) tem repetido, em diversas ocasiões, que o futuro da companhia de teatro Artistas Unidos, fundada em 1995 por Jorge Silva Melo, passa pelo (seu bem conhecido) edifício A Capital, no Bairro Alto, onde esteve até 2002. Mas o imóvel, que será reabilitado tendo como destino principal a habitação, está longe de se encontrar pronto para receber a companhia, que teve de sair a 31 de Julho do espaço da Rua da Escola Politécnica, onde ensaiou e apresentou espectáculos durante 13 anos. Olhar para A Capital como solução "é empurrar a resolução do problema para a frente, já numa altura em que a companhia, se não tiver um espaço alternativo, estará extinta", declara à Time Out Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, que sugere o Palácio Pombal (imóvel classificado como de Interesse Público, em parte privado, outra parte propriedade do município e outra, ainda, do Estado), no Bairro Alto, como uma alternativa mais rápida e viável.

Palácio Pombal
DR/Carpe DiemPalácio Pombal

"Já em Janeiro, numa reunião descentralizada, tinha sugerido que a Câmara exercesse o direito de preferência para comprar a parte que pertence ao Estado, para que ali funcionasse um pólo cultural, ficando a outra parte para a criação de uma escola básica, que é uma necessidade clara da freguesia", nota Carla Madeira. Agora que conheceu o caso dos Artistas Unidos, e depois de uma conversa com a companhia, a autarca sugeriu à CML, por escrito, que o palácio onde viveu o Marquês de Pombal — e que está abandonado — pudesse ser revitalizado, ao mesmo tempo que se assegura a vida da companhia. A companhia, por sua vez, também sinalizou esta possibilidade à Direcção Municipal de Cultura.

Esplanada do Carpe Diem, em 2016, no Palácio Pombal
Manuel MansoEsplanada do Carpe Diem, em 2016, no Palácio Pombal

"Este é um grande espaço no coração da cidade, público, com umas traseiras que são um pequeno oásis [refere-se ao grande pátio e jardim onde já aconteceram concertos e outros eventos culturais, no tempo em que o Carpe Diem Arte e Pesquisa dinamizou o palácio como centro cultural], que devia ser muito mais bem aproveitado", considera a presidente da Junta. 

Um palácio vazio desde 2017 

A impossibilidade de renovar o contrato entre os Artistas Unidos e a Universidade de Lisboa, que detém o espaço da Politécnica, foi conhecida em 2022. Por esse motivo, a companhia passou os últimos dois anos a procurar novos lugares e a pedir apoio à Câmara de Lisboa para tentar assegurar o seu futuro. A CML expôs A Capital como a trave de segurança dos Artistas Unidos, mas a obra no edifício é complexa e, até que se conclua, as únicas possibilidades em cima da mesa são para a apresentação da programação em curso e não para a continuidade de um trabalho que já conta com mais de 100 produções artísticas.

Projecto para o antigo quarteirão dos jornais A Capital e Diário de Notícias
DRProjecto para o antigo quarteirão dos jornais A Capital e Diário de Notícias

Sobre a eventualidade de ter uma parte do Palácio Pombal como casa, João Meireles, da direcção dos Artistas Unidos, diz à Time Out que, tendo em conta a situação actual da companhia, estão "disponíveis para considerar todas as possibilidades". Nas reuniões com a autarquia, "já há algum tempo se tinha falado no Palácio Pombal", continua o responsável. "Mas já falámos de tantos espaços que às vezes até posso estar a confundir. Só que na altura fiquei com a sensação de que estaria ocupado." Não está. 

Palácio Pombal
Rita MáximoPalácio Pombal

Em 2017, liderava Fernando Medina o executivo, o Carpe Diem Arte e Pesquisa, que transformou parte do palácio num pólo cultural vivo e oportuno em pleno centro de Lisboa, dando lugar a nomes emergentes mas também a artistas e pensadores consagrados do panorama internacional, foi notificado de que teria de sair do espaço de 3000 metros quadrados pela não renovação do contrato com a CML. O Carpe Diem instalou-se no edifício da Rua de O Século em 2009, na sequência de uma sugestão da então EGEAC, depois de uma intervenção com o fim de consolidar a fachada, paga pela CML, e de seis meses a retirar entulho, limpar e preparar o local (tarefas assumidas pelo colectivo Carpe Diem). No ano em que o projecto via o seu fim, a CML afirmou, em comunicado, que o Palácio Pombal não tinha sido vendido e que o seu futuro estava "a ser equacionado". Em 2018, por sua vez, a Escola Superior de Dança, que pertence ao Instituto Politécnico de Lisboa, também teve de sair do edifício (concretamente, da ala que pertence ao Estado), devido à falta de condições. Na sequência desta saída, houve duas tentativas de alienar o património público (a ideia seria que o valor angariado com a venda financiasse a construção das novas instalações da escola, em Benfica), a última em Agosto passado, que caiu por terra por falta de propostas, como noticiou o jornal Público

Desde então, o acontecimento mais recente quanto ao edifício foi a autorização, por parte da CML, da licença de utilização e do projecto de obras na parte do palácio cuja propriedade é privada, para que ali se erga um hotel. “A proposta preconiza a realização de obras de alteração e ampliação num imóvel de habitação, com mudança de uso para turismo, para o adaptar a empreendimento turístico (hotel de quatro estrelas) com 20 unidades de alojamento, que incide sobre um dos três núcleos que constituem o Palácio Pombal”, pode ler-se no documento, de Janeiro de 2023. 

Em 2014, o Jornal Arquitecturas perguntava a Lourenço Egreja, então director artístico do Carpe Diem, por que razão achava que um edifício deste gabarito e com esta localização, que já tinha estado à venda, escapava ao "apetite imobiliário". A resposta foi esta: "Isto é uma caixa de pandora. Temos paredes de vários tempos. Não me atreveria a mexer nelas. Há paredes do século XVI, paredes do século XVIII e XIX. Se se começa a mexer por necessidades do século XXI não sabemos o que poderá acontecer…"

"Havendo área e condições, montamos um teatro lá dentro"

Depois das infrutíferas tentativas de venda, o que vai acontecer ao palácio do Bairro Alto mantém-se uma incógnita. "Não conheço nenhum projecto para ali nem nenhuma intenção de se vender o palácio, e espero que isso não esteja em cima da mesa", afirma Carla Madeira. Nas redes sociais, a Junta de Freguesia da Misericórdia escreveu que o palácio da Rua de O Século é "um edifício em evidente melhor estado de conservação e que carece de obras de menor vulto do que o antigo imóvel d'A Capital, um edifício em avançado estado de degradação e sugerido pela CML para alojar a referida companhia de teatro". "Esta solução, para além de mais célere, viabiliza a continuidade do trabalho desta importante companhia de teatro portuguesa, responsável por mais de uma centena de produções artísticas. Esta proposta corresponde à sugestão da Junta de Freguesia em criar no Palácio Pombal um polo cultural e de adquirir o restante edificado do palácio ao Estado (onde estava a Escola Superior de Dança) para construção da nova Escola Básica, construindo um importante polo educativo e cultural para usufruto da população", continua o organismo. A Time Out questionou, por escrito, a autarquia sobre esta possibilidade, mas ainda não obteve resposta.

Artistas Unidos e amigos no dia de desmontar a Politécnica
Francisco Romão PereiraArtistas Unidos e amigos no dia de desmontar a Politécnica

Os Artistas Unidos, por sua vez, dizem desconhecer "as instalações, as áreas e o estado" do palácio. "Não sabemos quais as condições do espaço, nem se a intervenção seria cara, complexa... Mas obviamente que, havendo essa possibilidade, queremos visitar o local e avaliar. Havendo área e condições, nós montamos um teatro lá dentro, como já o fizemos na Politécnica e noutros espaços", afirma o actor João Meireles, reiterando a mensagem dos últimos meses.

Desde que saiu da Politécnica, a companhia de teatro tem material espalhado em diferentes locais  um é um espaço cedido pela Câmara e outros, como uma garagem, são emprestados por amigos. No "mini-armazém" que arrendam há algum tempo, montaram "três postos de trabalho no meio das tralhas", despejadas do antigo espaço da Universidade. "Já temos um armazém que está em processo com a Gebalis e com a direcção de Cultura da Câmara" e que estará disponível daqui a "dois ou três meses". Há também espaços para apresentar a programação planeada, mas falta o principal: um lugar para continuar a pensar e a fazer teatro.

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