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Pôr uma escultura a falar? Rui Chafes tem “legitimidade para contestar”, diz advogado

Iniciativa da Junta de Freguesia de Santo António associou textos lidos por figuras públicas a esculturas da zona. Rui Chafes não gostou. Advogado diz que pode estar em causa honra ou reputação do artista.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
‘Sou como tu’, de Rui Chafes
Arlei Lima‘Sou como tu’, de Rui Chafes
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À obra Sou Como Tu, escultura de seis metros em ferro da autoria de Rui Chafes, disposta na Avenida da Liberdade, a Junta de Freguesia de Santo António associou um texto de abordagem "divertida, bem-humorada e historicamente correta" (segundo o organismo), lido pela radialista Joana Cruz. Quem quiser ouvi-lo, enquanto, eventualmente, aprecia a obra de Chafes, deve apontar o telemóvel para o QR Code ao lado e recebe uma chamada telefónica com a leitura.

A acção enquadra-se na iniciativa "História Com Voz", lançada a 20 de Janeiro e que abrange 22 esculturas da freguesia com o objectivo, diz a Junta, de contar um pouco da história desta zona de Lisboa, em discurso directo. Os textos são assinados por Nilton e as vozes de figuras como Herman José ou Fernando Mendes. Mas o artista Rui Chafes não gostou. Contactado pelo jornal Público, o autor afirma não ter sido consultado pela Junta sobre o projecto, considera a "ideia muito infeliz, com um texto absolutamente medíocre" e o acto em si uma forma de "vandalismo institucional, como se tivessem feito um graffiti". "Teriam sempre de pedir autorização", defende Chafes, estando a estudar que acção tomar, não descurando a hipótese de avançar para uma acção judicial. 

Por sua vez, o presidente da Junta, Vasco Morgado, contactado pelo mesmo jornal, mostrou-se pronto a dialogar mas não atribuiu especial importância à situação, referindo que "o projecto está a ser um sucesso". "Trata-se de uma criação sobre outra criação que está no espaço público. É uma explicação da escultura, nada mais", alegou o autarca. Do texto lido fazem parte passagens como "Deixei o carro em quatro piscas, a EMEL anda aí", ou "Sou contribuinte como todos nós, mas não vamos falar mais disso".

Propriedade intelectual é do artista

Para Rui Chafes, no entanto, o caso tem não só "implicações legais, mas também filosóficas, de dignidade e de decência". Sobre as primeiras, o artista tem "legitimidade para contestar", explica à Time Out, por telefone, Gonçalo Gil Barreiros, responsável pelo departamento de Propriedade Intelectual da sociedade de advogados PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados. A questão está em o artista poder alegar que a iniciativa da Junta de Freguesia afectou e lesou a sua honra ou reputação. "Não está em causa a integridade da obra, mas estão a associar a ela algo que não era suposto", detalha o advogado. Assim, a contestação de Chafes pode ser enquadrada no âmbito dos direitos morais do autor, de acordo com o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. 

A escultura, adquirida pela Fundação PLMJ e posteriormente doada à cidade, foi inaugurada na Avenida da Liberdade em 2008. Tendo passando a ser arte pública, a propriedade material passou para o município, mas a intelectual mantém-se na esfera do autor. "Essa ele nunca perde", frisa Gil Barreiros. Inclusive em caso de morte (como acontece em relação aos autores das restantes obras que integram o projecto, como a de Marquês de Pombal ou Pinheiro Chagas), a propriedade intelectual pode ser reclamada pela família, dependendo dos casos. Nas declarações de há dias, Rui Chafes frisa: "Não estou morto, sou um artista contemporâneo e vivo em Lisboa." Já o facto de a obra estar no espaço público, circunstância suscitada pelo presidente da Junta, de quem partiu a ideia do projecto, em nada altera o enquadramento legal do caso, explica o advogado. Seja em espaço público ou não, a propriedade intelectual mantém-se.

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