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Portugal à Brasileira: a aposta do histórico café na imprensa regional

O quiosque d'A Brasileira, no Chiado, agora só vende imprensa regional. Andámos a bisbilhotar um expositor cheio de títulos.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
Jornais d'A Brasileira
©Gabriell VieiraMiguel Silva, responsável pelo quiosque há 30 anos
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“Ah, tem o Notícias de Viseu; dê-me um. Vai ter sempre? É maravilhoso, quase sem sair de casa sei notícias lá da terra.” Quem tenta replicar a conversa recente que teve com uma cliente é Miguel Silva, funcionário do quiosque d’A Brasileira há três décadas. A interlocutora era uma “vizinha”, como a descreve, que afinal é de longe. Mas a conversa só foi possível porque agora esta pequena banca de jornais se descentralizou e passou a vender exclusivamente títulos regionais, de Trás-os-Montes ao Algarve. Agora é possível ir à Brasileira, mítico café do Chiado com 115 anos de vida, e sentar-se a ler o Terras da Beira. Ou o Campeão das Províncias. Ou – porque não? – O Interior.

Desde Fevereiro que o grupo O Valor do Tempo tem a participação maioritária d’A Brasileira. Um grupo que começou em 2012 com a abertura do Museu do Pão, em Seia, e hoje é detentor em Lisboa de casas como o Museu da Cerveja, a Casa Pereira da Conceição, a Silva & Feijó ou o O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa. E que agora decidiu trazer notícias de todo o país para o Chiado. No quiosque, igualmente histórico e onde se vendia imprensa nacional, os escaparates passaram a mostrar O Mirante, o Jornal do Fundão ou a Gazeta das Caldas. E não foi uma ideia de emergência para chamar a atenção durante estes tempos tão difíceis para a restauração. “Era algo que já estava na nossa cabeça fazer, porque o que não falta em Lisboa são quiosques a vender jornais nacionais. Então o que queríamos fazer, considerando que a maioria das pessoas que vive em Lisboa não é de Lisboa, era trazer um bocadinho da sua terra para cá. E dar às pessoas a possibilidade de se sentirem mais próximas de casa ao terem aqui perto um jornal regional da sua terra”, explica a directora de marketing da O Valor do Tempo. Sónia Felgueiras lembra que o próprio fundador d’A Brasileira, Adriano Telles, não era lisboeta – nasceu em Alvarenga, Arouca.

Os responsáveis da empresa não esperam obter lucro com a venda destas notícias de fora. Preferem olhar para a iniciativa como uma “vertente mais social” d’A Brasileira. Dizem mesmo não ter com isto qualquer pretensão comercial. “Era muito mais marcar pela diferença, cumprir uma função social e trazer Portugal para Lisboa”, diz Sónia Felgueiras. “Os estrangeiros não viriam comprar jornais ou revistas portuguesas. É sobretudo para os locais e também para dar relevância à imprensa regional e dar-lhes um palco.” São 18 os títulos que para já estão a bordo deste projecto, um processo que ainda não terminou.

jornais da brasileira
©Gabriell Vieira

A caminho de Viseu. E não só
O primeiro passo foi contactar os 308 municípios portugueses, para que fossem eles a apontar o caminho para os jornais de cada região. Depois fizeram uma lista dividida por municípios com um propósito em mente: ter pelo menos um representante de todos os distritos. No entanto, confessa Sónia, o projecto tem um calcanhar de Aquiles, que passa pela dificuldade de terem jornais diários num quiosque tão pequeno como este, onde a logística seria complicada. Por isso mesmo tiveram de segregar os diários, “com imensa pena”, e optar por jornais semanais, quinzenais e alguns mensais. A partir daí dirigiram-se a cada uma das publicações seleccionadas numa primeira fase e, ao que parece, “foi mesmo muito gira a recepção”, descreve a directora de marketing. Todos os jornais contactados aceitaram e alguns até queriam oferecer publicações só para estarem expostos n’A Brasileira. “Nós obviamente que agradecemos, mas não iríamos fazer isso. Queríamos mesmo ter um quiosque de venda de jornais com toda a dignidade da venda de um jornal regional”, diz Sónia, revelando a história passada com uma das pessoas com quem estiveram a negociar e que queria oferecer o Campeão das Províncias (Coimbra) e que, nessa impossibilidade, insistiu em oferecer o Notícias de Vouzela. “Eu disse que sim, mas nesse caso vamos fazer como um encarte, vamos pôr dentro e é uma oferta do próprio Campeão das Províncias. Aí é o jornal que está a oferecer, não somos nós”.

Em apenas uma semana desde que divulgaram a iniciativa receberam contactos de outros jornais, que querem juntar-se ao grupo e que já estão numa lista de espera. Sónia Felgueiras explica o plano de acção: “Começamos por comprar uma pequena quantidade, porque temos que avaliar a procura que vamos ter, e não estamos fechados a nenhuma proposta de jornal que possa estar aqui. E o Miguel [Silva] vai registando todos os dias sugestões que os clientes possam fazer. Daqui a três meses avaliamos esta primeira selecção e adicionamos novos que façam sentido.”

Boa vizinhança
Dos clientes diz só ter recebido boas reacções: “As pessoas entram no quiosque e nós sentimos o carinho e a alegria com que olham para o jornal da sua região. E essa receptividade que estamos a sentir é que nos vem trazer a alegria e o conforto de termos ido pelo caminho que continuamos a achar que é o caminho certo.” Miguel, o homem do leme do quiosque, também está orgulhoso. Ficou surpreendido com a quantidade de jornais regionais que existem em Portugal. "Achei uma novidade bastante interessante, porque eu conheço minimamente o país de lés a lés e tanta publicação, região e concelho distinto, acho que nunca vi. Há aqui um ou outro que é fácil de encontrar em qualquer lugar, mas esta variedade toda – e ainda falta vir alguma coisa – ainda não tinha encontrado”, diz. E o Miguel, é de Lisboa?: “Já nasci cá, mas tenho origem no concelho de Arouca”, diz enquanto aponta e sorri para o jornal Roda Viva.

jornais da brasileira
©Gabriell Vieira

Brevemente o quiosque vai ter outros artigos, como postais d’A Brasileira, e no horizonte está uma parceria com o vizinho Museu de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), com o qual vão desenvolver algumas actividades. O que casa bem, porque A Brasileira foi um dos primeiros museus abertos ao público em Lisboa. Nas paredes já estiveram pendurados quadros de Almada Negreiros, Eduardo Viana e Jorge Barradas, pintores modernistas que frequentavam este espaço. Em 1971, foram substituídos por obras de artistas mais contemporâneos, como Manuel Baptista ou António Palolo. Afinal, como diz Sónia, “isto é um espaço com história, não é um café. É A Brasileira”.


Três jornais que pode conhecer n’A Brasileira

Gazeta das Caldas
“A Gazeta das Caldas, jornal regionalista que hoje inicia a sua publicação é, por assim dizer, o porta-voz de todos os que amam esta região.” São estas as palavras que inauguraram em 1925 a primeira edição deste semanário das Caldas da Rainha. Um lema que se mantém neste histórico jornal.
www.gazetadascaldas.pt

Reconquista
É um semanário de Castelo Branco e nasceu a 13 de Maio de 1945. A data não vem por acaso, já que é um jornal regional “de informação geral e de inspiração cristã”. Actualmente é propriedade da Fábrica da Igreja da Paróquia de São Miguel da Sé.
www.reconquista.pt

Voz de Trás-os-Montes
É o grande semanário da região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Fundado em 1947, tem sede em Vila Real e uma delegação em Chaves e vai para as bancas à quinta-feira nos distritos de Vila Real e Bragança e parte do distrito de Viseu.
www.avozdetrasosmontes.pt

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