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É de quem deserta, de quem é posto de lado, de quem não se encaixa, ou que não se quer encaixar, de quem procura um palco para actuar, é de quem faz arte e de quem quer mostrá-la. Este é o lugar de quem tem muitas mazelas para contar, mas que antes prefere celebrar a vida. O Precárias é este lugar, é um festival de performance contemporânea que põe em evidência as histórias de pessoas trans, queer, não-binárias, “mulheridades” e pessoas racializadas. Entre 15 de Março e 8 de Junho, a programação passa por cinco cidades e arranca em Lisboa.
Tita Maravilha é actriz, performer, dançarina, drag queen, palhaça, cantora, DJ e faz parte do Trypas-Corassão, projecto de música electrónica e performance que desenvolve em conjunto com a DJ e produtora Cigarra. Tita Maravilha é artista, aliás, mais do que isso, é uma “artivista híbrida”. Há cinco anos trocou o Brasil por Portugal e, por agora, chama casa a Lisboa. Em 2022, organizou a primeira edição do Precárias, que surgiu através do projecto Artista no Bairro, parceria entre a Rua das Gaivotas 6, o Teatro Praga, o Teatro Cão Solteiro e a Plataforma285, que pretende contribuir para o aumento da visibilidade de jovens criadores.
Da precariedade faz-se a programação
A segunda edição volta a ser idealizada pela artista no sentido de uma “curadoria afectiva”, com o objectivo de mostrar “esse catálogo de artistas dissidentes em Portugal, pessoas da música, da performance, do pensamento e a ideia foi essa de, muito mais do que ceder ou compartilhar espaço, é o de repensar juntos o momento que a gente vive”, para que “essa curadoria possa mostrar que podemos estar juntos na mesma categoria e não apenas cumprindo um sistema de quotas dentro de festivais de arte contemporânea”, explica Tita Maravilha, em conversa com a Time Out.
No palco, os protagonistas são os corpos dissidentes, racializados, de quem as narrativas tomam lugar central. Ainda assim, importa realçar que “as histórias podem ser compartilhadas sem representação única” – “eu sozinha não represento uma comunidade, mas, ao mesmo tempo, posso contar um pouco do que é ser e do que é existir nessas circunstâncias”. É daqui que nasce o Precárias, tanto o conceito como o próprio nome do festival, das “histórias que foram precarizadas, mas que estão em transformação”. Que não nos foquemos na parte do “precarizadas”, mas sim na “transformação” que as histórias destas identidades estão sujeitas ao longo da sua vida, para que, assim, “a gente consiga pensar nesses corpos e conseguir dar suporte para que esses trabalhos aconteçam efectivamente com dignidade de trabalho”.
De 2022 para 2024, o Precárias cresceu. Já não se mostra apenas em Lisboa, passa também por Viseu, Montemor-o-Novo, pelo Porto e por Paris. Ao longo de vários dias, entre Março e Junho, a programação abrange performances, DJ sets, workshops, festas, concertos e uma roda de conversa. Financiado pela DGArtes e projectado em parceria com espaços culturais estabelecidos nas cidades onde é apresentado, o festival é concebido tendo em conta as “necessidades” de programação artística de cada local. Um dos destaques vai para o dia 24 de Abril, passado no Teatro Viriato, em Viseu, onde terá lugar uma performance, um concerto e uma festa, que celebram a Revolução dos Cravos.
“É uma programação que vai um pouco em resposta ao momento político que está acontecendo em Portugal, é uma programação que avança com a liberdade e que salienta ‘fascismo nunca mais’”, releva a artista. Além destas ideias, a programação reflecte em torno do mundo artístico como um espaço que não é garantido, que está em “eterna disputa” e leva a pensar, em simultâneo, na necessidade de existirem financiamentos públicos que permitam a criação de festivais desta natureza.
Em Lisboa, entre 15 e 16 de Março, o festival estende-se pela Rua das Gaivotas 6, pelo Teatro Cão Solteiro e pelo bar Damas, arrancando com um workshop liderado pelo colectivo The Elite Kiki House of Bodega, pensado como um espaço seguro para pessoas queer racializadas. Uma das novidades da segunda edição é uma residência artística fora do país. A Paris, de 20 a 30 de Março, o Precárias leva a vontade de “quebrar essa barreira entre Portugal e Brasil e, mais uma vez, provocar essa fronteira e entender como é que a gente pode pensar esses conceitos de uma forma mais aberta”.
A arte de Tita Maravilha
Além de programadora, Tita Maravilha assume-se como a artista que é e, por isso, também apresenta alguns dos seus trabalhos, que se centram nas ideias de corpo político e sobrevivência. “O meu trabalho, ele não vem só no desejo próprio, ele vem com uma intenção de comunicar enquanto comunidade e de perceber que alguns pensamentos contemporâneos, eles precisam de ser moldados em comunidade”, diz a performer. A 16 de Março, na Rua das Gaivotas 6, Tita Maravilha apresenta a Oficina de Coxinha, que junta a tradição culinária brasileira com a expressão artística e histórias autobiográficas da artista. A 6 de Abril, no Teatro Rivoli, no Porto, protagoniza a performance Catarse, ou exercício para o Fim do Mundo, que tem a intenção de exercitar possíveis finais à moda da tragédia grega, e ainda um DJ set.
Ao estender-se por várias cidades com uma programação diversificada, a segunda edição do Festival Precárias quer realçar “a importância de pensar esse corpo queer, esse corpo dissidente, esse corpo imigrante enquanto potência, enquanto pensadora e enquanto formadora de opinião”, relembrando “que todas nós temos essa capacidade de reforçar que existe um desejo de mudança e que a arte pode ser um bom veículo para isso”.
Vários locais. 15 Mar-8 Jun. Vários horários. Vários preços
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