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Artigo originalmente publicado em Abril, na edição de Primavera 2023 da revista trimestral Time Out Lisboa.
Séries originais Netflix, como Glória e Rabo de Peixe, produções que são vendidas aos serviços de streaming, actores portugueses a darem a cara a títulos internacionais, co-produções com outros países, séries estrangeiras com paisagens portuguesas ao fundo. A produção audiovisual portuguesa está a viver um novo momento. Mas que força é esta?
Nos últimos anos, o serviço público de televisão tem dado um apoio à produção audiovisual nunca antes visto. A 16 de Março fomos assistir às gravações de uma das próximas séries da RTP: Irreversível, com argumento e realização de Bruno Gascon. Durante a rodagem, José Fragoso, director de programas da RTP1, falou-nos sobre esta aposta, que já resultou em várias produções, algumas das quais entretanto integradas nos catálogos da Netflix, da HBO Max e da Prime Video. Actualmente, chegam à RTP cerca de 200 propostas todos os anos para a produção de séries de ficção nacionais, das quais são seleccionadas entre 10 a 12 por ano. “A RTP passou a fazer um investimento por episódio superior àquele que fazia até 2018/2019. Estamos a falar de uma área que é muito competitiva em termos internacionais. Quando dizemos que fazemos um investimento de 100 mil euros por episódio, parece muito grande. Mas quando vamos a Espanha, um milhão de euros não compara com 100 mil”, diz Fragoso, pondo o investimento em perspectiva. E sublinha que não é a única força motora do nosso audiovisual: “Se fosse só a RTP a financiar, muitos destes projectos que andamos a fazer não tinham sequer viabilidade. Esta parceria que existe entre a RTP, muitas vezes o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), a Portugal Film Commission, as autarquias e até empresas privadas financia também muitas destas séries”, diz Fragoso. De sublinhar que a Portugal Film Commission tem, desde 2018, um programa de incentivos fiscais à produção chamado Cash Rebate, inserido no âmbito do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, dirigido à produção cinematográfica e audiovisual, e à captação de filmagens internacionais em Portugal. Em complemento a todos estes apoios, entrou também em vigor uma lei que obriga as plataformas de streaming a investir em obras produzidas localmente. “Pode ser original, podem comprar ou fazer co-produções. Este será o primeiro ano em que se passarão a fazer as contas sobre o que cada plataforma tem de investir em Portugal”, explica Fragoso. Relativamente às co-produções, a RTP tem títulos na Prime Video, como, por exemplo, a série Operação Maré Negra, e na HBO Max, como Motel Valkirias. Outra novidade é uma parceria com a Globo Play, com a qual está a desenvolver a série Codex 632, ainda em pós-produção, baseada no livro de José Rodrigues dos Santos. Uma co-produção em que também participa a SPi.
Glória às produções
Fundada em 2017 com a missão de dar voz às histórias portuguesas além-fronteiras, a SPi fica para a história por ter produzido o primeiro original português com o selo Netflix: Glória. A série criada por Pedro Lopes terá, a partir de Maio, a companhia no catálogo de um outro projecto feito de raiz para a maior plataforma de streaming do planeta, agora numa produção da Ukbar Filmes: Rabo de Peixe. Além de argumentista, Pedro Lopes é também o director-geral de conteúdos da SPi, com quem falámos por telefone, numa chamada que também contou com a voz de Manuel Claro, o seu director de negócios e co-produções. “Obviamente que as plataformas vieram alterar o modelo de distribuição dos conteúdos”, começa por dizer Pedro, acrescentando que a expectativa é “que se possa produzir mais séries e que tenham a capacidade de viajar e fazer sucesso além-fronteiras”. Quanto aos apoios, Pedro acredita que há margem para crescer. “Se formos olhar para os números, é uma indústria bastante significativa, onde trabalham milhares de pessoas e se produzem produtos que divulgam a língua e a cultura portuguesa”, diz. Manuel complementa: “Todos estes mecanismos [de apoio] são essenciais e também é justo dizer que numa década evoluímos incomensuravelmente. Sentimos que para crescer precisávamos de um pouco mais, mas não podemos não ser justos e admitimos que em dez anos houve uma evolução enorme nos apoios à indústria audiovisual.” A nova lei do streaming é também recebida de braços abertos, embora Manuel explique que o valor “será ainda bastante modesto”. “O desígnio dos produtores é fazer acreditar [os responsáveis pelas grandes plataformas de streaming] que, apesar de serem obrigados a investir pouco, os nossos conteúdos são tão bons que terão de ter vontade de investir mais.”
Também envolvida em cada vez mais projectos é a SkyDreams, que recentemente produziu a série documental PJ7 para a RTP1. E que tem em mãos mais um projecto para o pequeno ecrã: Homens de Honra, sobre Mário Soares e Álvaro Cunhal, que irá estrear no próximo ano. “Vamos pensando em histórias, temos muitos guiões trabalhados. Mas não havendo a capacidade financeira de investimento próprio nos projectos, dependemos sempre de se outros gostam”, diz o fundador da produtora, José Gandarez, para quem é importante desenvolver co-produções internacionais para “reforçar o investimento e fazermos melhor conteúdo”, estando neste momento a apresentar projectos a várias plataformas. E destaca a presença de actores portugueses em produções que correm o mundo. “Quando vejo um actor português numa plataforma de streaming, agradeço porque também está a abrir o mercado para as produtoras portuguesas.”
Aquela cena
Nuno Lopes em White Lines (Netflix), Albano Jerónimo em Vikings (Netflix) ou Joana Ribeiro em Das Boot (SkyShowtime) são apenas três exemplos de actores portugueses que encontraram o caminho para produções internacionais à boleia do Passaporte. Criado pela directora de casting Patrícia Vasconcelos, é um programa anual que atalha caminho entre o talento nacional e directores de casting de todo o mundo. “A ideia é fazer o circuito ao contrário, porque normalmente é o actor que vai bater às portas lá fora. E pensei em convidar os grandes directores de casting a vir cá conhecer o talento nacional. O que acontece é que eu acho que isto foi uma boa coincidência, porque foi na altura em que houve uma grande abertura dos serviços de streaming. Coincidiu com a necessidade de descobrir novas caras. Dava jeito aos próprios directores de casting”, explica Patrícia, que também tem ajudado a pôr Portugal no mapa. “Trazer cá directores de casting de todo o mundo traz outras vantagens: conhecem o país. Eu nunca me vou esquecer de uma das directoras de casting da Paramount, que veio cá no primeiro ano, quando estava a preparar o Top Gun: Maverick. Ela chega ao aeroporto, liga para o produtor e diz ‘devias vir aqui filmar’. E não é que vieram? Vieram fazer repérage [etapa que consiste em encontrar locais adequados para filmagens]. Isto tem uma envolvência global e por isso é que eu estou sempre à espera que o Turismo me dê algum dinheiro para isto, mas dão zero”, lamenta. Ainda assim, o Passaporte este ano conseguiu apoio do Fundo de Fomento Cultural.
Dragões cá em casa
Em House of The Dragon (HBO Max), a aldeia portuguesa de Monsanto é Dragonstone. Nestas filmagens, esteve envolvida a produtora portuguesa Sagesse, fundada por Sofia Noronha, que ao longo de vários anos trabalhou em produções no Reino Unido, Espanha e até na Índia. Foi essa experiência que facilitou a parceria com esta produção da HBO (ou com o filme Velocidade Furiosa X), além de todos os incentivos fiscais que Portugal hoje oferece a quem por cá vem filmar. Para Sofia, o crescimento do streaming é “o grande factor desta globalização na produção”, mas não vem sozinho. “Também o facto de a língua já não ser o grande impedimento de produzirmos internacionalmente. E isto é muito importante que as pessoas entendam: eles não vêm cá por nós termos sol. Vêm por termos as condições necessárias para fazer acontecer. E depois há o outro lado da criatividade, que é para lá que Portugal caminha, e espero estar nesse caminho, para podermos vender as nossas histórias internacionalmente. Infelizmente, acho que ainda não estamos lá. Ainda não houve uma La Casa de Papel portuguesa.”
Sofia destaca a importância que esta indústria traz para a nossa economia. “O que eu tento explicar é que esta indústria não é para o turismo, a ideia é promover uma indústria que está a criar vários postos de trabalho, que não depende das temporadas de Verão ou Inverno, que é contínuo.” A Sagesse tem trabalhado no apoio a diversas produções estrangeiras, como A Town Called Malice (Sky Max), série britânica filmada em Espanha, mas na calha tem um projecto próprio de ficção que ainda não pode revelar. Uma série limitada, em co-produção com os EUA e França, baseada num livro cuja acção se desenrola durante a II Guerra Mundial. Pelo meio, vão recebendo muitas historias. “Desde que começámos a fazer estas séries maiores, chegam-nos muitos projectos às mãos. E histórias espectaculares que lemos com todo o carinho. Muitas vezes não é o género que estamos à procura, mas é fantástico. Há pessoas que têm coisas espectaculares para contar.”
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