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Em O Som e a Fúria, os homens falam pelas mulheres. Em 1929, quando William Faulkner escreveu o retrato da ruína da família Compson, antigos aristocráticos do sul dos Estados Unidos, Caddy Compson, a única filha da família, não teve direito a voz. É através da perspectiva de quatro homens (que narram as quatro partes em que se divide o romance do Nobel da Literatura em 1949), que o leitor conhece a personagem de Caddy. “À primeira vista é um texto misógino, onde não é dada voz às mulheres, que são a expiação de todos os males e a causa daquela família”, assumia em 2014 Pedro Alves, director artístico do teatromosca, que encenou o texto na época, em entrevista ao jornal Público.
Quase 100 anos após a publicação do romance de Faulkner, tido como obra-prima do século XX, não faltam textos especulativos sobre o papel de Caddy. Representa o desejo sexual dos seus irmãos? Representa o desmoronar de uma família? O abandono? Isabel Rodrigues Costa lança-se na procura da voz de Caddy no que mostra agora no TBA - Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, de 9 a 12 de Março. Som e Fúria é um espectáculo que não é uma adaptação do romance, mas antes uma resposta a este. "Há uma personagem a quem falta falar naquele romance. Que é a personagem principal, segundo o Faulkner, há uma espécie de ausência. O meu ponto de partida foi fazer um espectáculo em que esta personagem tem voz. E dá-nos a perspectiva dela”, explica à Time Out.
Numa “tentativa de traduzir a experiência sensorial que o livro produz no leitor para palco”, Isabel Rodrigues Costa criou um ambiente fantasmagórico para, na neblina, sugerir uma nova existência da personagem. "Não sei se a falta da Caddy não é uma tentativa de lhe dar ainda mais ênfase. Porque quando nós lemos a obra nós conhecemos a Caddy, imaginamos como é que ela é. Apesar de vermos perspectivas diferentes. O objectivo deste espectáculo foi ir mais além".
Nesta peça a várias vozes – o elenco compõe-se com Ana Vilela da Costa, Frederico Barata, Marco Mendonça, e Odete – o som ganha destaque. É ele o condutor da narrativa. "É quase uma instalação sonora também", admite a criadora. Num espectáculo "muito visual" ("há muitas cenas no espectáculo que não têm texto", diz), não é um acaso o percurso de Isabel Rodrigues da Costa ser ligado à performance. Aludindo ao título da obra, a criadora recorda que Faulkner roubou a Shakespeare a expressão: "É um verso de Shakespeare em Macbeth, em que o Macbeth diz 'a vida não é mais do que actores a pavonearem-se no palco durante uma hora movidos por som e fúria'". "De alguma maneira, o espectáculo procura concretizar isto".
TBA – Teatro do Bairro Alto (Lisboa). 9-12 Mar. Qui-Sáb 19.30, Dom 17.30. 12€