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Quatro pescadores entram no Tejo. O resto contam as fotografias de Camilla Watson

A fotógrafa que fixou lisboetas nas paredes da Mouraria regressa com uma série de retratos impressos em pedra, no Ginjal. Para vê-los é preciso seguir a maré.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Camilla Watson no Cais do Ginjal
Francisco Romão PereiraCamilla Watson no Cais do Ginjal
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É sabido que, atravessando-se o Tejo a bordo de um cacilheiro, no lado sul o tempo perde aceleração. O fenómeno, a Física não explica talvez mais facilmente o entendamos com recurso à Filosofia , mas Camilla Watson, que também tem como actividade principal mexer no tempo, fixando-o através da fotografia, percebeu isso assim que se mudou da Mouraria para Almada Velha, em 2018, numa fuga às hordas de turistas que lhe invadiam o atelier do Largo dos Trigueiros. 

É a própria quem o explica à Time Out, junto aos quatro retratos de pescadores, gravados em pedra lioz e instalados no mês de Março na praia do Cais do Ginjal, visíveis durante a maré baixa (consoante a hora, as imagens ficam à vista ou submersas). São eles que constituem o arranque do seu novo projecto, que a autora quer ver crescer com a chegada de mais homens e mulheres da pesca à sua câmara escura. “Mal cheguei aqui, percebi que o ritmo era outro. A minha vida abrandou", conta. A fotógrafa britânica, que vive há 17 anos em Portugal, começou este trabalho há dois anos, depois de uma convivência quase diária com a atmosfera piscatória da frente ribeirinha de Almada, onde a bruma é outra. "Passo por aqui quase todos os dias e, para mim, a questão dos pescadores neste lugar era a ligação mais óbvia. É fascinante perceber como, aqui, tudo é controlado pela maré”, diz, vendo na pesca uma das poucas actividades que ainda preservam essa imposição do ritmo natural sobre as coisas da actividade humana, em contexto urbano. Mas será assim até quando? “Há anos que se fala na reabilitação desta zona e, para já, nada aconteceu. Mas eles [os pescadores] sabem que, um dia, todo este mundo vai mudar. Se isso acontecer, eles sabem que poderão não ser tão bem-vindos aqui. Com a modernização do espaço, as pessoas podem sentir-se alienadas. Não sei se isso foi tido em consideração pela Câmara”, indaga a fotógrafa. 

Camilla Watson no Cais do Ginjal
Francisco Romão PereiraCamilla Watson no Cais do Ginjal

Camilla Watson fala do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, aprovado em 2020 (embora a sua elaboração tenha sido decidida em 2008), que inclui um grande hotel (160 quartos), habitação, comércio, serviços, equipamentos culturais e sociais e um silo automóvel, e que foi desenhado para mudar a cara a um lugar de eleição que há décadas está em ruínas. "Por um lado, queríamos que esta zona melhorasse, claro. Era bom para todos. Mas não sabemos bem como vai mudar, porque já houve muitos projectos para aqui, até já vieram cá marcar o chão, e depois não aconteceu nada", conta à Time Out Luís Costa, um dos pescadores retratados por Camilla Watson, de pés assentes no Tejo.

"Gostava de pôr ali uma pedra de três metros"

Depois de fixar dezenas de retratos de moradores e artistas da Mouraria e de Alfama nas paredes de ambos os bairros (e com recurso a diferentes técnicas), Camilla Watson regressa à prática artística em ligação estreita com a comunidade com esta série a que poderíamos chamar “Pescadores”. Nela, para já, imprimiu seis retratos na câmara escura do seu atelier de Almada Velha – onde agora tem, inevitavelmente, afixado o horário das marés  sobre blocos de lioz vindos de Pêro Pinheiro (Sintra). Da Suíça, mandou vir os químicos que permitem testar a exposição ao sol, à água salgada e a outros agentes abrasivos. “Não conheço nenhum outro projecto assim. Tecnicamente é muito desafiante e, por isso mesmo, estou a encarar isto como um piloto”, refere a artista.

Dois dos primeiros retratos não resistiram aos ventos desta Primavera bravia e tombaram. Esse foi o primeiro teste. Para as quatro pedras que agora mostram os rostos de Luís Costa, Vítor Romeiro, do Sr. Arnaldo e de um quarto pescador “ainda sem nome”, foram incluídos reforços de estrutura. Os próximos testes virão com o tempo, tanto em relação às fotografias sobre quanto ao futuro da frente ribeirinha de Almada. O objectivo é retratar mais 12 pescadores, um deles em tamanho grande. "Gostava de pôr ali uma pedra de três metros de altura, e já tenho autorização do Porto de Lisboa para isso. Faltam-me os fundos", relata a fotógrafa.

Retrato de Luís Costa, no Cais do Ginjal
Francisco Romão PereiraRetrato de Luís Costa, no Cais do Ginjal

Os objectivos centrais do projecto são preservar a memória destas pessoas, dando-lhes um lugar e um nome, bem como o património associado à actividade piscatória. “A pesca é uma coisa em grande aqui. A não ser quando está a chover muito, como hoje, não há um dia em que não estejam pescadores no Ginjal. E não é uma coisa de uma geração só. Vêm os miúdos também, aprendem a pescar... É um momento social”, retrata Camilla e confirma Luís Costa. “Para mim, este é o momento do dia em que posso conviver, estar em paz, em tranquilidade… Estar aqui é um grande alívio para a minha cabeça”, diz o pescador a viver há mais de 40 anos em Almada. Do Tejo, Luís retira, também, corvinas, robalos, polvos, chocos, sargos, sardinhas ou douradas, tal como dezenas de outros colegas de cana ao ombro. 

Este projecto foi, ainda, a forma que Camilla Watson, fotógrafa há quase quatro décadas, encontrou de agradecer a quem lhe alegra os dias, tal como o fez em "Tributo", em Lisboa, que começou em 2009 e que continua até hoje. “Aquela era a minha comunidade, a minha família, e às vezes ainda há pessoas que vêm ter comigo a dizer: ‘Olhe, a minha mãe gostava que a fotografasse’.” O último retrato da série foi colocado em 2023 no Beco das Farinhas, na Mouraria. 

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