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A ideia surgiu numa sala de espera. Luís Leal Miranda olhou para um relógio de parede avariado e reparou como os ponteiros se moviam mais depressa do que o normal. “Achei muito engraçado e pensei ‘aquilo é um relógio que queria ser uma ventoinha”, recorda, por entre risos. “Foi assim que nasceu a premissa. O que é que acontece quando os objectos do dia-a-dia ganham vida?” Editado pela Orfeu Mini e ilustrado por Carolina Celas, As Coisas Que As Coisas Fazem Quando Ninguém Está a Ver é um poema extravagante e um ensaio visual sobre o poder da nossa imaginação ou, arrisca o autor, a busca por significado no que não tem significado nenhum.
“Este livro teve uma dificuldade particular, que é o facto dos encadeamentos terem de resultar todos. Se há um que falha, falha tudo”, partilha Luís, que se estreou na literatura para a infância em 2021, com Há um Monstro Em Cima da Cama / Há um Monstro Debaixo da Cama (ed. Caminho). “Às vezes, o que eu imaginava na minha cabeça acabava por ser difícil de ilustrar ou mesmo impossível de conceber, o que contribuiu para o tempo que demorou a fazer este livro. Mas o que propomos é que as coisas também têm as suas vidas privadas e particulares, vidas secretas sobre as quais não sabemos nada.” Como, por exemplo, um guarda-chuva que serve de bengala, clipes que fazem ioga e peúgas que inventam histórias.
Além de nos convidar a reflectir sobre as várias funções que um mesmo objecto poderá ter e de nos desafiar a ser mais criativos no nosso dia-a-dia, As Coisas Que As Coisas Fazem Quando Ninguém Está a Ver é também uma espécie de Onde Está o Wally? acidental, porque há várias personagens que se repetem, mas em formas diferentes, como se vestissem disfarces e nos desafiassem a encontrá-las. “Claro que o objectivo não é esse, mas é uma camada extra que o livro nos oferece quando estamos a folheá-lo, podermos ir procurar as coisas, sobretudo as mais pequeninas, que são mais difíceis de descobrir. No final, por exemplo, temos a vista da sala e estão lá os objectos todos que apareceram ao longo da história, e acho que é muito fixe perceber isso.”
O texto original remonta a 2018, mas foi-se transformando ao longo do tempo, tal como os objectos que nele habitam e até aqueles que só vemos nas ilustrações de Carolina Celas. “São muito bonitas e estão cheias de pormenores, o que faz com que possas perder muito tempo só a olhar para uma dupla. Há muitas histórias dentro da história”, sugere Luís, que acredita terem criado um álbum cheio de possibilidades de leitura e de entendimento. “Quando escrevi nem sequer pensei em nenhuma faixa etária. Aliás, nunca o faço. Escrevo histórias que se adaptam bem ao público infantil porque são intencionalmente mais experimentais e, hoje em dia, o mercado literário para crianças é muito mais original e criativo e aventureiro. Agora, eu acho que os adultos também podem gostar disto. Mas diria que é um objecto difícil de definir à partida, o que me agrada bastante, claro.”
O encontro entre autor e ilustradora foi, por outro lado, um acaso. Luís apresentou a proposta do livro ao director de arte da editora, que depois escolheu a Carolina. Não se conheciam, mas ficaram amigos. “Tenho tido sorte, porque os meus trabalhos têm ficado sempre melhores por causa das ilustrações. Não foi nada disto que imaginei e é incrível ter-se tornado uma coisa tão grandiosa. Ter um clipe a fazer contorcionismo era uma coisa que não me passava pela cabeça”, diz Luís. Carolina acrescenta: “Gostei muito da brincadeira e do jogo de palavras, o que me fez aceitar quase de imediato, mas foi um desafio, porque inicialmente o texto tinha referência a muitos objectos quadrados, o que visualmente iria ficar mais monótono, então foi preciso dialogarmos e chegarmos a um conjunto mais interessante que permitisse explorar a percepção.”
O processo criativo, desvenda Carolina, envolveu muitas fotografias de casas de amigos e depois muitas ilustrações no chão, quase como um puzzle, para perceber se estava no caminho certo. Normalmente desenha sempre tudo à mão. Neste caso, usou marcadores, lápis de cor e lápis de cera. A paleta de cores, essa, foi “intuitiva”. “Às tantas juntei tantas que compliquei a minha própria vida, mas também era um desafio que queria: usar cores mais planas, mais fortes.” Por outro lado, procurou não interferir demasiado na história que o Luís queria contar, ainda que tenha, naturalmente, emprestado a sua voz gráfica à narrativa.
Nas livrarias a partir de 23 de Setembro, As Coisas Que As Coisas Fazem Quando Ninguém Está a Ver é um convite para os miúdos olharem para as coisas de uma maneira diferente e procurarem o potencial escondido nos objectos do dia-a-dia. “Se abrires bem os olhos e tiveres uma cabeça atenta, nunca te aborreces com nada. Pode ser um exercício que façam daqui para a frente e que os ajude a fortalecer o músculo da imaginação.” O lançamento está marcado para 3 de Outubro, na Baobá. Carolina Celas também marcará presença e repetirá a dose a 19 de Outubro, com uma oficina para os mais novos.
As Coisas Que As Coisas Fazem Quando Ninguém Está a Ver, de Luís Leal Miranda e Carolina Celas. Orfeu Mini. 56 pp. 16€
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