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São 48 hectares de terreno baldio, repartidos pelas freguesias de São Vicente, Penha de França e Beato, pontuados aqui e ali por hortas informais e atalhos que foram criando veios de circulação pedonal nesta colina da cidade, cortada a meio pela Avenida Mouzinho de Albuquerque. Para o Vale de Santo António já foi equacionada uma série de projectos urbanos nos últimos 20 anos, tendo o mais recente sido aprovado em Junho. Foca-se na oferta de “melhor qualidade urbanística às famílias de classe média, com preços acessíveis e com elevado nível de oferta de espaços públicos, um parque urbano, comércio, serviços, equipamentos para a infância e de educação, desporto e cultura”, de acordo com a autarquia, que a qualifica como a “maior operação de requalificação urbana da cidade, depois da Expo 98 e da Alta de Lisboa”. O projecto, no entanto, é visto por um grupo de residentes de Lisboa como uma solução “do século XX para os desafios do século XXI”, ao mesmo tempo que parte de um processo de decisão pouco transparente e sujeito a debate público.
Foi por estes motivos que Hugo Warner, especialista em economia circular, João Baia, sociólogo e antropólogo, António Mota, estatístico, e Ana Filipa Oliveira, especialista em comunicação e advocacia social, se juntaram e lançaram, em Julho, o inquérito “Vale de Santo António: uma consulta alternativa”, que até agora conta com 500 respostas. Trata-se de um conjunto de perguntas sobre temas como a habitação (se deve passar pela construção ou pela reabilitação), o direito ao espaço público e à existência de espaços verdes, mas também sobre as alterações climáticas e o seu impacto na vivência quotidiana dos habitantes da cidade. “Temos muitas perguntas fechadas, mas também espaço para deixarem sugestões sobre o que acham importante para esta zona de Lisboa”, explica Hugo Warner à Time Out, adiantando que o inquérito estará aberto até 31 de Outubro e que os resultados serão comunicados à Câmara Municipal de Lisboa, às juntas de freguesia de São Vicente e da Penha de França e à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.
Para o grupo, esta é, acima de tudo, uma forma de abrir o debate aos cidadãos e de acrescentar transparência ao processo. "Normalmente, nas consultas públicas, os prazos são muito curtos. E na última consulta sobre o Vale de Santo António [em 2020], por exemplo, os resultados nunca foram publicados. Não queremos isso. Queremos que a decisão sobre um espaço da cidade possa contar com o contributo do maior número de pessoas possível”, reivindica Hugo Warner. Por outro lado, para estes quatro cidadãos, o projecto que está em cima da mesa e que poderá determinar o futuro do Vale de Santo António merece críticas. “Urbanizar densamente a área não é uma solução inteligente. Pelo contrário, criará problemas agora e no futuro. Além disso, existem melhores opções do que este projecto para resolver a crise da habitação”, acreditam, puxando a tónica para a reabilitação de edifícios públicos devolutos e vazios da cidade.
Construir sobre este tipo de terreno pode ser, ao mesmo tempo, problemático, já que o Vale de Santo António “tem um declive acentuado”, o solo “é composto por vários depósitos de argila e areia” e esta é uma “zona de risco sísmico máximo”, alertam, defendendo a criação de um amplo espaço público em detrimento de um projecto de habitação para o lugar. A proposta-base é a de “um espaço de usufruto, de encontro, de lazer, de contacto com a natureza, de prática de desporto ao ar livre, de retenção e reaproveitamento de águas pluviais, de captação de dióxido carbono através da plantação de árvores, de realização de pequenos eventos culturais”, mas pode, ainda, alargar-se a outros âmbitos. A autarquia, por sua vez, garante que, avançando o projecto aprovado em Junho, o Vale de Santo António “será seguramente um dos melhores bairros para se viver em Lisboa”.
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