Notícias

Quem tem boca vai ao Calhariz Velho, a aldeia de Lisboa que está a pôr-se nova

Em requalificação, o histórico bairro de Benfica prepara-se para receber festas no coreto, grandes esplanadas para o bem comer e um parque de skate. Nem tudo está feito, mas em Novembro já haverá festa na aldeia.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Largo da aldeia do Calhariz Velho, Benfica
DR/JFBLargo da aldeia do Calhariz Velho, Benfica
Publicidade

Transpostas as escadas à saída da estação de comboios, é preciso subir outro lanço até chegar ao centro histórico do Calhariz Velho. Além da balada ferroviária, na banda sonora entra o rock n'roll da Segunda Circular e da Radial de Benfica, em contraste com a calmaria que se vive neste bairro-enclave de Benfica, qual aldeia perdida entre vias rápidas. Foi a conjectura física, no entanto, que fez desta zona aquilo que ela é hoje, com as suas "características de dormitório", como diz João Paulo Santos, presidente da associação de moradores, mas também o ambiente de "verdadeira aldeia". Como todas elas, também o Calhariz está "envelhecido" e parado no tempo, constata Ricardo Marques, presidente da Junta de Freguesia de Benfica, numa visita ao local com a Time Out, agora que se concretizam os primeiros marcos de um investimento de 15 milhões de euros na zona. "Queremos retirar o Calhariz do esquecimento", remata.

Estrada do Calhariz de Benfica, 1953
Arquivo Municipal de Lisboa, Eduardo Portugal, EDP000390-A22048-N19984Estrada do Calhariz de Benfica, 1953

A acção conta com intervenções estéticas e estruturais, financiadas tanto pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) como pela delegação de competências por parte da Câmara de Lisboa. "A requalificação do casco antigo já está na fase final", com a colocação de pavimento novo e a criação de lugares de estacionamento, onde antes automóveis se organizavam ad-hoc. Subindo desde a estrada principal até ao largo da aldeia (General Sousa Brandão), encontra-se um novo coreto, para o qual estão planeados eventos como concertos de jazz ou o Arraial do Bairro do Calhariz, por altura do São João. "Ainda não temos dia para a inauguração [do largo], mas será seguramente em Novembro, com a actuação de uma filarmónica", avança o presidente. No mesmo local, os restaurantes a Galé dos Manos e Zé Pinto, dois dos grandes motivos de visita ao Calhariz, ganham esplanadas maiores.

Largo do Calhariz Velho, Benfica
DR/JFBLargo do Calhariz Velho, Benfica

A alavancar o rejuvenescimento do bairro está a recém-inaugurada residência universitária, a primeira do país a ser construída por acção de uma junta de freguesia. "A ideia é trazermos mais jovens para esta zona, mas também ter aqui um equipamento de proximidade da Junta", explica Ricardo Marques. Ao mesmo tempo que se criaram quartos em tempos de crise da habitação, a Junta quis colocar no mesmo edifício serviços abertos aos residentes do bairro. À entrada, vende-se pão da padaria comunitária do Bairro da Boavista (da mesma freguesia) e outros bens de primeira necessidade, como leite ou massa. “Não há aqui nenhum café nem mercearia”, justifica Ricardo Marques. Ao fundo, a lavandaria, o ginásio e o auditório (funcional para espectáculos, mas também ensaios ou reuniões de condomínio) estão abertos a quem apresentar o cartão de residente. E há ainda uma pequena biblioteca (os livros foram doados por António Costa, morador na freguesia de Benfica desde os tempos em que foi primeiro-ministro), não propositadamente pensada para os habitantes, mas também não vedada a curiosos. "Há coisas em que ainda não pensámos. Mas não vamos estar a dizer que não a quem aparecer aqui com um pedido diferente", diz Ricardo Marques.

Projecto do skate park do Calhariz
DR/JFBProjecto do skate park do Calhariz

Em Novembro, arranca a fase seguinte do projecto de requalificação, com a construção do novo skate park do Calhariz – projecto vencedor do Orçamento Participativo Jovem de 2023 por baixo do viaduto que dá acesso à Segunda Circular. Já do lado de Monsanto, as antigas instalações da Ajuda de Berço vão transformar-se numa creche (a inauguração está prevista para 15 de Novembro). Em 2025, chegarão ao bairro dois edifícios com apartamentos de rendas acessíveis (50 de um lado e oito do outro) e "já há algumas casas que estão a começar a ser reabilitadas, fruto de investimento privado", complementa João Paulo Santos, da Associação de Moradores do Bairro do Calhariz de Benfica. Está, ainda, planeada (na verdade, há muito) a construção de uma ciclovia (bem como a chegada de uma estação Gira) com vista a ligar a zona de Pina Manique ao campus de Benfica. "A Câmara já nos prometeu que a obra arrancaria em 2025", sinaliza o presidente da Junta.

Pit stop para chanfana e garoupa

Não estando no interior da Beira Alta ou de Trás-os-Montes, também o Calhariz, em plena Lisboa, viveu uma certa forma de alienação, começada no final do século XIX. "Benfica dividia-se em dois pólos de desenvolvimento muito importantes: um do lado da igreja e do cemitério, e o outro aqui", descreve o presidente da Junta. Com a chegada abrupta de duas vias em particular, a Linha de Sintra, em 1887, e a Segunda Circular, em 1960, o Calhariz ficou separado do resto da freguesia, tendo sido salvo do esquecimento unicamente pelo dom da cozinha, leia-se, bons restaurantes, que vale a pena enumerar: no casco histórico, o Zé Pinto, o Solar dos Leitões ou A Galé dos Mantos; na fronteira com a Amadora, o David da Buraca, o Panças ou O Batista. Sem eles, hoje, muito dificilmente alguém se deslocaria ao Calhariz.

1963
Arquivo Municipal de Lisboa. II Circular, inauguração sob o viaduto do Calhariz de Benfica a que assistiram o conde de Bonfim e o presidente do município, Armando Maia Serôdio, A41165-N38640-SER0049601963

À hora do almoço, a aldeia está viva, carros em disputa por lugar e o barulho dos talheres a bater nos pratos. "Mas queremos também trazer aqui pessoas noutros períodos. Benfica é um bairro que vive por si, tem uma grande população e estrutura. Não temos necessidade da questão turística. Mas, aqui, essa dinâmica tem sentido, sobretudo à noite, que é quando os restaurantes não têm a casa cheia", explica Ricardo Marques, que já em 2023 havia partilhado com a Time Out os planos de fazer do Calhariz paragem turística obrigatória para quem percorre o eixo Lisboa-Sintra de comboio.  

Restaurante David da Buraca, Benfica
Francisco Romão PereiraRestaurante David da Buraca, Benfica

Na zona do Calhariz junto à Buraca, onde funciona a Rádio Renascença, também haverá mudanças. A Junta de Freguesia afirma estar "à espera que lancem a obra". "O piso vai ser mudado, vai existir uma passadeira sobrelevada para garantir mais condições de segurança e a acalmia do tráfego... Vai dar-se também mais destaque à zona, valorizando-a, com a reabilitação do Chafariz da Buraca [obra a cargo da EPAL, que deverá avançar em 2025].

Chafariz da Buraca, Benfica
Francisco Romão PereiraChafariz da Buraca, Benfica

"Há registos da zona do Calhariz já desde o século XVII. Tudo isto à volta era uma zona de quintas. Foi uma zona que teve grande desenvolvimento económico", lembra João Paulo Santos, da associação de moradores, criada em 2015 com o propósito de melhorar as condições de acesso ao bairro. "Na altura, o nosso grande objectivo era ter um elevador entre a estação e o Calhariz, exigimo-lo à IP [Infraestruturas de Portugal]", conta à Time Out. O elevador já lá está e a zona, na visão do dirigente, "vai ficar completamente revitalizada". "Aqui ao lado, temos um bairro de habitação social, o Sargento Abílio, e também dois condomínios de luxo e, olhe, convivemos todos bem. Mas acredito que, com mais jovens, o bairro ganhe uma vida mais interessante."

😋 Se não é bom para comer, não é bom para trabalhar. Siga-nos no LinkedIn

📲 O (novo) TOL canal. Siga-nos no Whatsapp

Últimas notícias

    Publicidade