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Qualquer um dos intervenientes reais (sem duplo sentido) da trama da Netflix concordaria que o pior ficou para o fim. Ainda faltavam semanas para uma das estreias mais aguardadas do ano e a sombra do que foram os anos 90 para os Windsor já pairava sobre umas quantas cabeças em terras de sua majestade. É que, tratando-se da própria história – nunca tão fresca como nesta quinta e penúltima temporada de The Crown –, a margem para eventuais pozinhos adicionados pela realização e respectivos guionistas é relativa.
E para quê? Afinal, foi esta a década em que a fina camada que envernizava a monarquia britânica (já bem mais baça do que outrora) estalou por completo. A abalar a instituição estiveram, pelo menos, três divórcios, um incêndio apocalíptico e uma sucessão de escândalos mediáticos tão barulhenta que nem os próprios tablóides saíram os mesmos – recorde-se, só em jeito de aperitivo, a entrevista fulminante de Diana à BBC ou as dez páginas protagonizadas pela Duquesa de York e pelo milionário texano John Bryan, na fotonovela que ficou conhecida como o toe-sucking scandal.
O pior – ou o melhor, já que tudo depende da lente e do nível de envolvimento da audiência – ficou para os dez episódios que chegam à plataforma de streaming a 9 de Novembro. A acção, presume-se, decorre num intervalo temporal de cinco anos, a começar em 1992, dois anos após a saída de Margaret Thatcher do poder, momento a partir do qual a narrativa de The Crown foi deixada em suspenso, no final da quarta temporada. Isabel II, papel agora interpretado por Imelda Staunton, sucessora de Olivia Colman, assinala quatro décadas no trono (66 anos de idade) com uns quantos amargos de boca.
Chamou-lhe “annus horribilis” quando, a 24 de Novembro, se dirigiu ao presidente da Câmara de Londres, num tom que se revelou mais pesaroso do que de celebração. No trailer já divulgado, as primeiras palavras parecem parafrasear o famoso discurso da rainha – “à luz dos acontecimentos dos últimos 12 meses, talvez tenha mais em que reflectir do que a maioria de vocês” –, enquanto as imagens evocam o incêndio que, nesse mesmo mês, destruiu substancialmente o Castelo de Windsor.
O elenco de The Crown surge totalmente renovado, por força do envelhecimento das personagens. Esperam-se os príncipes de Gales no centro da trama. O casamento, já em declínio no final da temporada anterior, precipita-se para um final tumultuoso – surgem os primeiros indícios de que o casal mantém rotinas separadas, as suspeitas de relações extraconjugais e a pressão sobre a monarca para autorizar o divórcio.
Carlos (Dominic West) vê o caso de longa data com Camilla Parker-Bowles (Olivia Williams) exposto perante uma audiência de milhões – afinal, quem é que não se lembra da frase: “Éramos três neste casamento, era gente a mais”? Dúvidas houvesse, a entrevista dada por Lady Di ao programa Panorama da BBC, em 1995, vai estar incluída na nova temporada, com a devida atenção aos problemas éticos levantados durante os últimos anos. “[A série] vai reflectir o que hoje sabemos ter sido a forma como a entrevista foi obtida e como Diana foi tratada”, confirmou uma fonte da produção à Associated Press. Recorde-se que a princesa foi coagida pelo jornalista Martin Bashir a dar a entrevista, através de documentos falsificados e de um falso caso do príncipe Carlos com uma ex-ama dos filhos do casal. No último Verão, a BBC anunciou que nunca mais irá transmitir a entrevista.
Por outro lado, a vida de Diana (Elizabeth Debicki) foi sendo exposta nas páginas de revistas e jornais, um escrutínio lamacento que salpicou a imagem da monarquia e levou a rainha a ceder em relação ao divórcio do príncipe herdeiro, no Verão de 1996. No mesmo ano, assistiria ainda ao divórcio de André (James Murray) e Sarah Ferguson (Emma Laird Craig), separados desde 1992, ano em que também a princesa Ana (Claudia Harrison) se divorciara do capitão Mark Phillips.
Tudo leva a crer que a nova temporada chegará à morte de Diana, a 31 de Agosto de 1997. Resta a expectativa de ver como é que a série abordará o momento na narrativa. Do elenco fazem ainda parte os actores Khalid Abdalla e Salim Daw, que interpretam Dodi Fayed e Mohamed Al-Fayed, respectivamente. Jonathan Pryce veste a pele do duque de Edimburgo, Lesley Manville será a princesa Margarida, Jonny Lee Miller será John Major, primeiro-ministro do Reino Unido entre 1990 e 1997 (e até o seu sucessor, Tony Blair, aparece já nesta temporada), e Senan West, filho do actor Dominic West, vai interpretar o papel de William, enquanto Will Powell será Harry.
Alerta ficção
A controvérsia não teve de esperar pela estreia. Ao fim de dois meses no trono, Carlos III – ao que parece um fã da série, pelo menos até agora – terá de lidar com o dia em que uma obra ficcional (baseada em factos irrefutáveis) retrata o seu momento de maior impopularidade. Uma coisa é certa: com acontecimentos como o divórcio dos príncipes de Gales e a morte de Diana, não há dúvida de que a quinta temporada de The Crown tem em mãos material sensível.
“A quinta temporada é uma dramatização ficcional e imagina o que poderá ter acontecido a portas fechadas durante uma década tão crucial para a família real – a qual já foi tão escrutinada e documentada por jornalistas, biógrafos e historiadores", clarificou a Netflix, depois das críticas feitas por John Major, provocado pelo rumor de que os novos episódios trazem uma tentativa de derrubar Isabel II por parte do príncipe herdeiro e do primeiro-ministro. “Um monte de disparates maliciosos”, como descreveu o antigo chefe do governo britânico, ao mesmo tempo apelando ao boicote da série. Um cenário que nunca esteve tão distante – no fim-de-semana após a morte da rainha, as audiências da série aumentaram mais de 800% no Reino Unido.
Major não foi o único a fazer barulho. De Buckingham vieram também acusações dirigidas à plataforma de streaming – “exploradora”, “sem escrúpulos” e disposta a “destruir a reputação das pessoas” foram algumas das críticas que vieram parar às páginas do Telegraph, ainda no mês de Setembro. Posições entretanto partilhadas por outros comentadores e biógrafos.
Bem mais recentemente, foi a actriz Judi Dench quem saltou para as páginas de The Times em defesa de sua majestade, recomendando ainda à Netflix que reforçasse a ideia de que se trata de ficção televisiva. “Quanto mais o drama se aproxima do presente, mais parece querer, deliberadamente, apagar a linha entre rigor histórico e sensacionalismo puro”, pôde ler-se.
Um timing mau para o rei, mas uma hora há um ano esperada por milhões de fãs em todo o mundo. Depois dos novos episódios, Peter Morgan, o criador da série, deixa apenas duas certezas – haverá uma sexta e última temporada e essa não chegará aos acontecimentos mais recentes da monarquia britânica.
Netflix. Estreia a 9 de Novembro (T5)
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