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Brite chega a deslizar sobre um par de patins, mas não os do costume. Estes são novos, ainda sem os riscos e lanhos próprios de quem actua na rua, mas também pouco maleáveis, uma dificuldade acrescida à execução do espectáculo. Encontramo-la junto ao quiosque da Ribeira das Naus, o mais recente poiso desta atracção humana que ciranda pelo centro da cidade. Salta à vista a aptidão física do performer. Em calçada portuguesa, cada apresentação pode durar até quatro horas, sem esquecer o material que leva sempre consigo. São nove quilos de amplificador, sem o qual não se teria tornado na patinadora mais famosa de Lisboa (e arredores).
“É como se a música fosse um passaporte para entrar no meu mundo”, admite, à conversa com a Time Out. Ritmos contagiantes que marcam o passo da performance, seja no Chiado ou no território recentemente conquistado. Loira, ágil e vestida em licra turquesa, a personagem criada por Jarbas Krull tem Britney Spears como principal inspiração, desde o primeiro dia. “Precisava de contar uma história e a música fala todas as línguas. Quando se fala da Britney, as memórias são, certamente, as melhores. Ela remete para uma boa fase na vida de muita gente, de uma geração inteira.”
“Toxic”, “Baby One More Time” ou “Oops I Did It Again” abrem caminho para outros êxitos pop, mas também para um rol infinito de interacções com quem passa. Turistas na sua maioria, os transeuntes interrompem o passeio junto ao rio e param para assistir às mais diversas habilidades — gargalhadas, quedas aparatosas (simuladas) e coreografias —, mas também na expectativa de serem provocados e puxados para dentro do espectáculo. Outros assistem a tudo a partir da esplanada, de telemóveis em riste. O público de Brite nunca é o mesmo. Vem, vai e faz com que todos os dias sejam dias de estreia.
“Esse fascínio é uma conquista até hoje. Acho que as pessoas compram esta imagem porque ela vende o que está vivendo — liberdade, plenitude e loucura, porque é vista como algo fora da caixinha, com excentricidade e naturalidade. O que choca as pessoas, ao mesmo tempo convece-as”, afirma. Entre a sensualidade de um piscar de olho e a comicidade de um tropeção está a enérgica Brite.
“Ela existe há três anos, é lisboeta. Nasceu da minha necessidade de me expressar como artista”. Com mais de 35 mil seguidores no Instagram, passou de figura insólita (nos primeiros tempos, usava um fato de Homem-Aranha) a estrela contratada para abrilhantar eventos e a convidada de programas de televisão. “Quando assumi o personagem, não havia essa preparação, essa exigência visual. Isso surgiu naturalmente”, acrescenta. Hoje, não é só mera figura de entretenimento, é a profissão e a empresa do seu intérprete.
Jarbas tem 36 anos e há 13 que deixou a Bahia para se fixar em Portugal. Atravessou o Atlântico em busca de um futuro melhor, mas sobretudo em busca de segurança. Com os patins, a relação começou já do lado de cá, na casa de um vizinho. Experimentou as três rodas dispostas em linha e sentiu que podiam ser uma extensão do próprio corpo. Com Brite, descobriu os patins quad, suficientemente retro e girly para reforçar o carisma da personagem.
“Eu trabalho com a minha expressão cénica e ela tem de ser exacta. Eu não estou só contracenando com uma música que está tocando, estou em sintonia com vários olhares.” Mas Jarbas acusa cansaço e fala em suspender a icónica patinadora. “Quando você sobrevive financeiramente de um personagem é como se você vivesse de uma produção que não tem fim e toda a novela tem de acabar, até para poder surgir a oportunidade de você se reinventar em outro personagem e mostrar novas capacidades”, remata.
Uma despedida dos patins? Não necessariamente, até porque uma nova persona pode muito bem deslocar-se sobre as mesmas rodas de Brite. Sem datas, fala num “momento de pausa” e numa “nova temporada”. Mas por enquanto, continua a dar um ar da sua graça, sem nunca marcar hora. Aqui, na Ribeira das Naus, patina muitas vezes ao entardecer. Afinal, foi por causa do pôr-do-sol que trocou o Chiado pela beirinha do Tejo.
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