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“Quis saber quem sou”, cantava Paulo de Carvalho no palco do Festival da Canção de 1974. A 24 de Abril desse ano, “quis saber quem sou” voltou a ouvir-se. Desta vez, sob a esperança de um dia novo que trouxesse mais do que uns raios de sol, o tema ganhava um peso diferente. No ano em que a Revolução está a comemorar 50 anos, Quis Saber Quem Sou, encenada por Pedro Penim, recorda e dá-nos a ouvir as canções que, em parte, fizeram o 25 de Abril. No palco do São Luiz, entre 20 e 28 de Abril, um grupo de jovens intérpretes pergunta-se “o que faço aqui”, entre outras coisas.
Ainda na sala do estúdio 1 da Tobis, acendem-se as luzes para o ensaio. O cenário, minimalista, é completado por vários espelhos que circundam o centro do palco. Então, aparece Vasco. Sozinho, em língua gestual portuguesa, passa a apresentar-se, a si, ao elenco e à peça. Entram os restantes intérpretes e, em uníssono, afirmam e reforçam o que o espectáculo será e, mais importante ainda, o que não será. Não será um teatro musical, nem uma peça dita normal. Cantar-se-ão poemas, canções de intervenção, mas não só. Será um concerto, mas não inteiramente. Será, ou aliás, pretenderá ser revolucionário, isso deixa o coro bem assente desde início.
Em Abril de 2024, prestes a celebrar-se os 50 anos de uma revolução que pôs fim a uma longa e já cansada ditadura, há quem teime em andar para trás, por um caminho que muitos juraram nunca mais atravessar. Neste sentido, para Pedro Penim, tornou-se ainda mais importante assinalar os ideais do 25 de Abril em cima do palco. “O espectáculo tem uma espécie de clamor, de pedido de ajuda a uma geração que fez o 25 de Abril, compositores, poetas, políticos, agentes directos na acção militar, na acção política, na acção popular quase como se fosse uma espécie de altar ateu a quem estamos a pedir ajuda e inspiração para este momento que estamos a viver, porque a efeméride marca o compasso deste pensamento”, explica o encenador e também director do Teatro Nacional Dona Maria II.
É a partir de Acordai, de Fernando Lopes-Graça, que o coro interpreta um cancioneiro que, pela sua relevância, é parte integrante da história contemporânea nacional e que quer, de certa forma, apelar a uma vontade de agir. “O cancioneiro é um cancioneiro de resistência e, por isso, já tem em si essa possibilidade de parecer belicista ou, pelo menos, de querer confrontar, de estar a propor confronto”, sendo que “algumas canções continuam a ser cantadas e tocadas, mas há outras que o tempo de alguma forma esqueceu e há essa vontade de querer reactivar a música, mas também a poesia e essa poesia está impregnada de um convite à acção”, continua o encenador.
Pontuando a acção, os temas do passado, de Fausto Bordalo Dias, José Afonso, José Mário Branco e Sérgio Godinho, juntam-se aqui a temas do presente, de B Fachada e Filipe Sambado, encarregue da direcção musical do espectáculo. “Há aqui canções mais estáticas, há uma fase de composição em que eu me proponho a uma coisa mais específica relacionada com a memória. Depois, há também uma fase mais energética quase mais ligada a uma marcha e as coisas vão ficando um bocado mais confrontacionais e nessas músicas vai para um registo um bocado mais áspero e duro ritmicamente”, explica Sambado.
Os intérpretes, que foram na sua maioria escolhidos através de um processo de audição, querem representar, no seu conjunto, uma ideia de diversidade, em que se pretende espelhar a sociedade, mas, por outro lado, uma ideia de unidade, presente em vários elementos do espectáculo. Os figurinos, desenhados por Luís Carvalho, são um dos exemplos – inspirados nos anos 70, são contemporâneos e vestem como um uniforme. Porém, nunca perdem a sua individualidade. O mesmo acontece com a história, em que várias vozes se tornam uma só, sem nunca se perderem – “É uma história que tem protagonistas, mas, ao mesmo tempo, ela é feita dessa massa, muitas vezes anónima, muitas vezes esquecida. Muitos nomes só agora se começam a recuperar de alguma maneira e tiveram uma importância fulcral para aquilo que somos nesta senda, nesta inquietação do ‘quis saber quem sou’”, refere Penim.
Neste espectáculo, “a citação é uma arma” que é utilizada pelo coro para recordar o 25 de Abril. Não só recordar as canções e poemas deste tempo, mas também as palavras de ordem e os discursos, de pessoas que estiveram no Largo do Carmo e também de personalidades que tiveram um papel importante neste acontecimento, como Amílcar Cabral. Porém, ainda mais que citar, em palco, propõe-se incitar. “A citação das palavras de ordem, dos discursos, isso acontece com muita frequência, e como é que isso pode incitar a uma resistência, à ideia de resistência, de revolta, de diálogo também, porque há uma necessidade de diálogo conciliador sem nos deixarmos ficar pela nossa reação mais epidérmica", remata o encenador.
São Luiz Teatro Municipal. 20-28 Abr. Ter-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12€-15€
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