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Lucrécia, sentada em frente ao espelho, toma o seu tempo a arranjar-se. Isabel entra, senta-se, e alerta-a para as horas. Na escuridão da sala, a luz dos holofotes foca-se nelas, que tomam lugar central nesta história. Uma foi a actriz mais famosa do seu tempo, a outra uma professora de português, agora reformada e viúva. Por acaso, vivem no mesmo prédio, o que leva a que, inesperadamente, desenvolvam uma amizade. Requiem por Isabel, com encenação e dramaturgia de Tiago Torres da Silva, a partir de um texto de Raquel Serejo Martins, estreia-se no Teatro da Trindade esta quinta-feira, 16 de Novembro. Fica em cena até 30 de Dezembro.
Aos 80 anos, as duas mulheres encontram-se numa fase da vida em que tudo parece ter atingido o seu auge. Agora, restam apenas as memórias de tudo o que foi vivido e do que ficou por viver, de amores e desamores passados, de arrependimentos e felicidades. Lucrécia, interpretada por Lídia Franco, e Isabel, interpretada por Rita Ribeiro, partem das suas vivências e personalidades opostas para se tornarem confidentes improváveis. “São duas pessoas que não se encontrariam se não fosse a vida a obrigá-las e, mesmo assim, tornam-se a coisa mais importante na vida uma da outra”, diz Tiago Torres da Silva, em conversa com a Time Out após um ensaio de imprensa.
A sala-estúdio do teatro é pequena. O cenário, despojado, comporta o essencial: uma mesa, umas quantas cadeiras, um biombo e alguns adereços que dão vida às cenas. De casa passamos para o café e do café passamos para o jardim, sem que em muito se mexa. Assim, passamos um dia no quotidiano de Lucrécia e Isabel, em que uma e outra tentam viver o presente, sem que a ideia de “no meu tempo” se meta no seu caminho. “O meu tempo é agora, aos 80 anos será o meu tempo, o meu tempo é enquanto eu estiver aqui”, quis transmitir o dramaturgo com esta peça. “Nós só temos o presente e é mesmo o presente”, exclama Lucrécia a Isabel, numa das cenas, realçando esta ideia.
A peça quer ser um lembrete ao público de que “as pessoas aos 80 anos podem continuar a a ter alegria de viver e alegria de continuar a recomeçar todos os dias”, já que “o arquétipo de velho mudou completamente, na maneira como se vestem, como têm amigos de diferentes gerações”. Apesar de alguma resistência inicial, Isabel, modesta e conservadora, acede aos devaneios de Lucrécia, levando a que “as duas personagens se contaminem uma à outra, e vai sendo credível a troça que fazem uma da outra, a inveja que têm uma da outra e, por outro lado, torna mais credível esta amizade improvável que criam uma com a outra”, continua.
A escolha das actrizes não foi imediata, mas quando os nomes de Lídia Franco e Rita Ribeiro foram postos em cima da mesa, não houve dúvidas para o encenador. “Quis escolher duas pessoas em que qualquer uma pudesse interpretar as duas personagens, era muito fácil escolher uma actriz que fizesse o protótipo da professora de português e o protótipo de actriz”, explica. Juntas dominam o palco e a presença de um terceiro actor, Baltasar Marçal, complementa a representação de ambas, sem nunca as ofuscar. “É muito bonito ver a cumplicidade delas”, diz Tiago Torres da Silva.
Requiem por Isabel de longe se apresenta como um requiem. É sim uma celebração da velhice e do que significa viver no presente, quando se é o mais jovem que alguma vez se será daqui para a frente. Ao invocar temas como o amor, feminismo, desejo, prazer e vivências passadas, esta é a história de uma amizade, à primeira vista improvável, mas, acima de tudo, necessária.
Rua Nova da Trindade, 9 (Chiado). 16 Nov-30 Dez. Qua-Dom 19.00. 9€-12€
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