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Nunca é demasiado tarde para experimentar algo novo. A vontade de provar que ainda têm muito para dar levou José Peixoto (Madredeus), Manuel Paulo e o letrista João Monge (ambos fundadores dos Ala dos Namorados) a criar canções. Rapidamente perceberam que tinham algo interessante em mãos. Chamaram o baixista Norton Daiello (Couple Coffe) e o percussionista Ruca Rebordão (que colaborou com artistas como Rui Veloso, Sérgio Godinho ou os Moonspell) para formar a espinha dorsal de um grupo de experientes músicos. Ficou apenas a faltar uma voz, responsabilidade que cairia sobre Rita Redshoes, cantautora de Loures, que aqui dá vida e interpreta as canções escritas pelo resto da banda.
Juntos formam Rita & Os Usados de Qualidade, nome que reflecte esta vontade de mostrar que os veteranos ainda têm muitas cartas para dar. A Time Out estava à conversa com Rita, Manuel e José, na festa de lançamento do grupo, na Academia Dramática Familiar 1.º de Novembro de 1898, em Pedrouços, onde foram apresentadas diversas faixas, incluindo o single de estreia, “Só Penso Nisso”, lançado esta sexta-feira, 22 de Novembro.
De onde surgiu a vontade de criarem este grupo?
José Peixoto: A vontade e a motivação surgiu no ano passado, durante o Verão. Comecei a reflectir sobre a fase da vida em que estava. Senti que não estava pronto para entrar naquele momento nostálgico da vida, onde "recordar é viver". Recordar é recordar, viver é viver. Isto deixou-me a pensar numa forma de transportar este passado para uma ideia futura, renovada e que me podia motivar tal como quando tinha 20 anos. Liguei ao João Monge e partilhei a ideia de fazer um grupo com músicos um pouco mais maduros [risos]. Conversa puxa conversa e lembrámo-nos do Manuel Paulo. Telefonei-lhe e ele ficou surpreendido, já nos conhecíamos e apenas tínhamos trabalhado esporadicamente juntos. Ele achou piada e acabou por aceitar o convite.
Manuel Paulo: Os três criámos um reportório e decidimos que era a altura certa para avançar mais a sério com este projecto. Começámos à procura do resto dos músicos para materializar esta ideia. Chegámos ao Norton Daiello, baixista brasileiro dos Couple Coffee, e o Ruca Rebordão, percussionista que já tocou com inúmeros artistas. Por fim, começámos a pensar numa voz e falou-se na Rita. Ele vem de um mundo um bocadinho diferente do nosso, mas achámos interessante esta ideia de juntar vários universos. Ela aceitou o desafio e a partir daí foi avaliar as canções e começar a trabalhar. Foi uma felicidade ver os resultados começarem a aparecer e como começámos a definir uma identidade.
Têm todos um background diferente. Qual é que foi o ingrediente que ajudou a misturar todos os elementos?
MP: Se há uma forma de arte que permite a coexistência de vários estilos é a música. Se as pessoas souberem escutar os outros, normalmente, corre bem. Isto é o que está a acontecer connosco. A nossa mistura cultural acabou por gerar por oferecer uma atmosfera especial às canções. Apesar de o grupo estar apenas no princípio, acho que já temos uma impressão digital que nos torna reconhecíveis. No entanto, o grande fenómeno aqui é a Rita. Como ela se se apropriou das músicas ajudou a elevá-las.
O que é que fez faz da Rita a escolha ideal para para dar voz a este projecto.
MP: Foi algo que aconteceu a posteriori. Quando o José me fez a proposta, eu pensei: "isto até pode correr bem". Mas havia sempre a possibilidade de falhar. A Rita podia ter dito que não gostava, mas foi exactamente o contrário. Tivemos uma boa estrela que se mantém na comissão deste grupo. Entretanto, já somos quase uma família [risos].
JP: A Rita é uma pessoa que nós conhecíamos, admirávamos e gostávamos. Mas não fazíamos ideia de como ela iria encaixar neste universo. Temos andado a surpreender-nos uns aos outros com os arranjos e interpretações e estamos muito felizes.
Nesta nova banda, estão a sair um pouco da vossa zona de conforto. Como tem sido trabalhar neste grupo em comparação com os vossos outros projectos? Imagino que, por exemplo, para a Rita, que normalmente ocupa o cargo de compositora, seja bastante diferente.
Rita Redshoes: O meu papel é perceber de que maneira é que posso interpretar estas canções que não são escritas por mim. Mas é um desafio que me dá muito prazer. Embora eu goste mais de tocar e compor do que de cantar, na verdade, quando as canções e as letras são boas, dá-me um prazer gigante poder interpretá-las. Isto permite-me transformar e acrescentar elementos novos à minha arte. Gosto muito de desafios, por isso tem sido uma experiência muito enriquecedora e de grande aprendizagem enquanto cantora e intérprete. Sinto-me totalmente segura. Sei que, se me espalhar, o resto da banda está lá para me amparar [risos]. Este é o melhor elemento que te podem oferecer quando estás a explorar algo novo. Não é um salto no escuro.
O nome desta banda, Os Usados de Qualidade, transmite esta ideia de experiência e confiança. Era importante transmitir esta ideia de que ainda têm muito para dar ao mundo da música?
JP: Este projecto é a continuação da nossa vida e de todo o trabalho que temos desenvolvido ao longo da nossa vida. Achámos piada ao nome e fez todo o sentido porque queríamos que existisse um certo humor ao longo do álbum. Não é algo pretensioso e espelha bem aquilo que queremos fazer.
Chegam a esta fase da vossa carreira e como é que se sentem a olhar para trás. Sentem que é muito diferente criar música agora comparado com o momento em que iniciaram a vossa carreira?
MP: Comecei a fazer músicas nos 80. Hoje, é tudo muito mais efémero. Na altura, ouvia-se música de uma forma mais activa. Hoje em dia, somos bombardeados com músicas que ninguém pediu. Continuam a existir melómanos, mas é raro as pessoas pararem para ouvir música. Além disso, o cerne da questão, quando comecei a tocar profissionalmente, era mesmo a música. Hoje, não é tanto assim, já se mistura e premeia demasiados elementos ligados à imagem. Não quer dizer que não haja qualidade ou mérito, mas estamos a afastar-nos daquilo que interessa. Nós vamos continuar a fazer aquilo de que gostamos, embora não fiquemos cristalizados, também não temos de ir atrás de todas as tendências.
JP: São tempos completamente diferentes. Portugal era um satélite à parte do resto do mundo. Quando comecei a tocar cheguei a combinar ensaios por cartas [risos]. Era um ritmo diferente, que nem se compara à selva de informação que existe actualmente, onde todos os artistas têm de estar constantemente a lançar conteúdos para não serem esquecidos. Não tivemos de lidar com nada disto e agora também não adianta [risos].
Como é a vossa relação com algumas das "modernices" actuais?
MP: É boa. Permite-nos fazer coisas em casa que jamais conseguiremos fazer. Antigamente, tinhas de ir para um estúdio caríssimo. Só as fitas para gravar, por exemplo, dez minutos de música custavam dezenas de contos. Nesse aspecto, hoje estamos muito melhores.
E com as plataformas de streaming? Às vezes acontecem fenómenos curiosos. Por exemplo, na página de Spotify da Rita, a música com mais audições é "Shiuuu", que é uma gravação de 20 minutos do barulho de um carro a andar na estrada. Tem quase o dobro das audições de clássicos como "Choose Love".
RR: O mais impressionante é que é desse álbum que recebo mais royalties do Spotify – que são uma miséria na mesma –, só com músicas para as pessoas dormirem. Se calhar devia tirar algumas conclusões sobre isto [risos]. Mas isto acontece porque alguém incluiu estas músicas numa playlist para bebés dormirem. Eu sei disso porque há muitos pais que me escrevem a dizer que as músicas são eficazes e uma salvação.
A promoção do grupo está muito associada a espaços com muita história. O videoclipe de "Só Penso Nisso" foi gravado na Sociedade Filarmónica Incrível Almadense e apresentação da banda aconteceu na Academia Dramática Familiar 1.º de Novembro de 1898, em Pedrouços. Há alguma ligação especial a estes sítios?
MP: Nós temos ensaiado na Academia Dramática Familiar e é uma sala com umas características que gostamos bastante. Eu gosto particularmente porque quando era miúdo ensaiei aqui algumas vezes. Comecei a tocar aqui nos grupos de baile, no final dos anos 70, assim como outros artistas conhecidos da nossa praça. É um tipo de espaço que mantém uma atmosfera única, que espelha a vida da cidade e do bairro, e está cada vez mais em vias de extinção. Sentimo-nos bastante bem aqui, por isso, fez todo o sentido fazer aqui o lançamento.
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