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Rua central do Bairro da Madre de Deus e Largo das Belas-Artes vão mudar de cara

As duas intervenções enquadram-se no programa Há Vida no Meu Bairro e foram apresentadas este mês. Aumento das áreas pedonais está no centro dos projectos.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Requalificação da Rua Dom José de Bragança, no Beato
DR/CMLRequalificação da Rua Dom José de Bragança, no Beato
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“Os carros passam a uma velocidade louca” na Rua Dom José de Bragança, queixam-se vários moradores, e a acalmia do tráfego naquela via central do carismático Bairro da Madre de Deus, no Beato, é um dos principais objectivos do projecto de requalificação apresentado esta semana. Sobretudo tendo em conta que, não há muito tempo, ali nasceram uma creche e um centro de saúde, fazendo aumentar a circulação de peões no local.

Outros fins em vista para esta rua arborizada são aumentar a área pedonal, plantar mais árvores, criar zonas de estadia e instalar uma estação de bicicletas partilhadas e um quiosque, numa visão que coloca o peão no centro de tudo. Como explicou o presidente da Junta de Freguesia do Beato, Silvino Correia, esta quarta-feira, 24 de Julho, na apresentação pública do projecto, “o peão, quando se desloca, não tem um degrau; quem tem degraus são os carros”. As sobrelevações na rodovia, em zonas de transição para vias de velocidade reduzida em que poderão coexistir peões, automóveis e bicicletas, têm precisamente o objectivo de alertar o condutor para o facto de estar a entrar numa área em que perde a prioridade. É o desejo de um retorno à vida de bairro e aos “jogos de rua”, como sublinha João Marrana, arquitecto da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), presente na mesma sessão. 

Rua Dom José de Bragança, hoje
DR/CMLRua Dom José de Bragança, hoje

O projecto, que abrange uma área de cerca de 3800 metros quadrados e está em discussão pública (a Câmara Municipal de Lisboa aceita sugestões, críticas e contribuições dos cidadãos até “meados de Agosto”) deverá ser concretizado até Maio de 2025 e envolve um investimento de cerca de 700 mil euros. Nas palavras da vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, é uma mudança “muito importante para o bairro”, que a autarquia diz querer construir com a comunidade. “Estamos aqui para vos ouvir, não queremos impor soluções fechadas”, afirmou a autarca.

Criar estacionamento, abdicar do quiosque

De acordo com o projecto apresentado, o espaço hoje dominado pela área dedicada aos carros, “difícil de navegar para quem anda a pé”, nas palavras de João Marrana, vai ganhar o dobro da área pedonal actual (sobretudo através do estreitamento da faixa de rodagem e de novas ligações entre passeios) para um total de 2000 metros quadrados. Também as áreas verdes vão aumentar e o número de árvores sobe de 12 para 34.

O estacionamento foi, de imediato, uma preocupação levantada pelos moradores, que referiram a dificuldade em encontrar lugares para o automóvel na zona. Quanto a isso, a Câmara salvaguardou-se, não havendo praticamente alteração do número de lugares (de 13 passam a 14) com a requalificação. Outra questão colocada durante a apresentação do projecto, por Luís Peres, morador na zona, foi sobre a opção por um espaço comercial integrado no projecto. "Qual é a mais-valia de instalar um quiosque, uma cafetaria, na zona, quando mesmo ao lado já existe um café?", questionou. Por fim, António Lobo, da Associação de Moradores e Empreendedores do Beato, deixou um pedido: “Já que se vai intervir no bairro, não seria possível aproveitar a oportunidade para voltar a colocar os nossos candeeiros antigos, tão característicos do bairro, mesmo que com as lâmpadas da LED?”

O Largo das Belas-Artes

A cerca de cinco quilómetros dali, no Chiado, prevê-se outra empreitada. A ideia é que a praça e a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa deixem de estar separadas por uma rua, tornando-se a ligação pedonal e directa até à instituição. Com a mudança, espera-se que o espaço possa receber eventos, como mostras ou concertos, criando-se ali um novo pólo de vida social no Chiado, questão que gerou alguma fricção entre os moradores, presentes na segunda sessão de discussão do projecto para o Largo das Belas-Artes, a 22 de Julho (a primeira foi no início do mês), na faculdade. Mas já lá iremos.

Requalificação do Largo das Belas-Artes
DR/CMLRequalificação do Largo das Belas-Artes

Pretende-se também o aumento do número de árvores e de arbustos, a instalação de novo mobiliário urbano e de um estacionamento para bicicletas, e o investimento na iluminação pública. Mais abaixo, à saída do largo, planeia-se ainda o alargamento dos passeios, com o desaparecimento de alguns lugares de estacionamento. Questões como a falta de sombra, o excesso de espaço dedicado ao automóvel ou a iluminação deficiente serão, assim, resolvidas, na visão da Câmara, que avança para este projecto no âmbito do programa Há Vida do Meu Bairro, sem esquecer que esta foi uma das propostas vencedoras do Orçamento Participativo de 2018-2019, com mais de 800 votos. Recorde-se ainda que, em 2020, a requalificação do Largo das Belas-Artes estava incluída no plano Zona de Emissões Reduzidas Avenida Baixa Chiado – ZER ABC, que previa a retirada de carros na zona, mas que não chegou a avançar.

Moradores temem perda de tranquilidade

Embora o projecto tenha sido recebido como “globalmente positivo”, há “algumas arestas que têm de ser limadas”, sobretudo no que toca à salvaguarda do “direito à tranquilidade” dos moradores, frisou o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, a quem coube o papel de anfitrião, na ausência de representação da CML. Melhorar a acessibilidade à instituição, aumentar a área permeável e tornar o local mais propício ao repouso foram pontos sem contestação, mas a ideia de tornar o espaço num ponto de encontro e de lazer gerou renitência na sala. 

Largo das Belas-Artes, hoje
DR/CMLLargo das Belas-Artes, hoje

“Preocupa-me uma eventual perda de autenticidade do lugar” com a sua transformação “de praça em terreiro”, notou Mário Páscoa, morador na zona, que tanto apontou para a importância de preservar a “questão estética” de um Chiado que originalmente se quis oposto ao traçado racional da Baixa como para o facto de se poder estar a abrir portas à criação de ruído. “Se criarmos grandes zonas pedonais, criamos lugares que passam a ser ruidosos de dia e de noite, como acontece no Largo do Chiado, onde acredito que hoje ninguém deve conseguir viver ou dormir. Se, com cautela, não impedirmos a criação de ruído pelo desenho dos espaços, não será depois que teremos capacidade para controlar a situação”, atentou o residente.

A opinião gerou alguma concordância na sala e abriu espaço para outras críticas, como a hipótese de a eliminação de lugares de estacionamento tornar a zona mais vazia e, por isso, mais insegura, tocando-se num tema que está na ordem do dia em Lisboa. Adriano Lucas, também morador do Chiado, aproveitou a oportunidade para frisar que, recentemente, têm acontecido “inúmeros assaltos” e “quanto mais abandonado estiver o largo, pior será”, concordou Fernando Gomes, que trabalha a metros dali.

Requalificação do Largo das Belas-Artes
DR/CMLRequalificação do Largo das Belas-Artes

Dada a ausência de membros da CML na sessão de 22 de Julho, o presidente da Junta de Santa Maria Maior ouviu e registou os comentários dos presentes, mas também sugeriu que se realizasse uma nova discussão pública em Setembro (dia a anunciar).   

Inquirida pela Time Out, a Câmara Municipal de Lisboa avança que, além destes dois projectos de requalificação do espaço público, “até ao final do primeiro trimestre de 2025, prevê-se a conclusão de intervenções na Praça das Novas Nações [Anjos], na Avenida Santos Dumont [Avenidas Novas], na Avenida Rainha Dona Amélia [Lumiar], e na Rua das Gaivotas em Terra [Parque das Nações]”.

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