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RuPaul: “Quando estou em drag, sinto-me um super-herói"

Actor, cantor, apresentador e drag queen, RuPaul é considerado um ícone da cultura pop. Acaba de lançar 'A Casa dos Significados Ocultos', em que dá a conhecer a pessoa por detrás das lantejoulas.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
RuPaul’s Drag Race UK
Photograph: BBC
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É filho da América dos anos 60. Cresceu com a Guerra Fria, que estava ainda longe de acabar, e com o conflito armado no Vietname. Em casa, viu o Movimento dos Direitos Civis ganhar cada vez mais força e a mudança a chegar com os novos tempos. Nas ruas, assistiu ao nascimento dos hippies, à subida das bainhas nas saias e ao fenómeno dos Beatles. Na altura, era apenas RuPaul. Sem artifícios ou brilhos, veio de um bairro pobre em San Diego, mas sempre soube que o seu nome estaria por todo o lado. Que a fama lhe estava predestinada. Agora, é a drag queen mais conhecida do planeta, criador e apresentador do popular programa RuPaul’s Drag Race e, acima de tudo, um símbolo da cultura pop e da comunidade LGBTQIA+. A sua vida é tal e qual como ele diz: “nasci nu, o resto é drag.”

RuPaul
DR / Courtesy of RuPaulRuPaul

Foi a 17 de Novembro de 1960 que nasceu RuPaul Andre Charles. Numa casa onde, nos dias mais solarengos, se podia ver o México, viveu com a mãe e as irmãs. Saiu cedo para ir estudar numa escola de artes performativas, mas foi esta casa que deu lugar às primeiras actuações. Na sala de estar, sentava-se a mãe, a ver e a aplaudir. Mas, na verdade, não foi aqui que se deu a conhecer a figura de RuPaul. Foi sim na cave de um amigo em Atlanta, que fazia de estúdio e de clube onde RuPaul gravava episódios de The American Music Show, uma série de variedades de acesso público dos anos 80. É aqui que A Casa dos Significados Ocultos começa. Publicado em Junho deste ano pela Contraponto, o livro de memórias relata desde a infância à vida adulta do artista, passando pela relação com os pais, o problema com as drogas, a ascensão à fama, o que significa para ele actuar e como a performance e o drag são pontos essenciais na sua vida.

A Casa dos Significados Ocultos
DRA Casa dos Significados Ocultos

Cedo percebeu que não era como os outros e que não se identificava com as mesmas coisas. O facto de ser um rapaz negro que não se conformava com a conceção de género da sociedade fê-lo perceber como o caminho que estava destinado a fazer seria acidentado. Mas na televisão, que quando era criança era uma espécie de portal para novos mundos, aprendeu que todos representam um papel, mesmo quando não estão em frente às câmaras. “Sempre disse que nasces nu e que o resto é drag. Até um certo ponto, todos representamos papéis na nossa vida. Pessoalmente, eu sempre me senti um ‘outsider’, como se não me encaixasse, por isso, desde o início, a minha solução foi transformar-me segundo aquilo que a situação exigia. A transformação sempre me serviu bem e ainda serve”, começa por dizer RuPaul em entrevista por escrito à Time Out. E se era assim na televisão e na vida real, também o era no mundo do espectáculo.

Na performance, nas roupas, nas luzes, RuPaul encontrou espaço para ser como sempre foi, tanto masculino como feminino – uma dualidade que marcava a sua identidade. Em bares e discotecas de Atlanta, furjou caminho no cenário do punk rock, acompanhado de um grupo a que apelidava de U-Hauls. E com os Wee Wee Pole também chegou a partilhar o palco. O drag acabou por surgir aqui, não só como forma de expressão, ou um mero gesto de rebeldia, mas também como forma de reclamar o poder que, de certa forma, lhe havia sido retirado. “Quando estou em drag, sinto-me um super-herói. Sinto que o drag é o Super-Homem para o meu Clark Kent. Por isso é que o drag é tão poderoso, porque te faz sentir invencível”, explica.

RuPaul Charles
DR / Courtesy of RuPaulRuPaul Charles

No fim dos anos 80 e início dos anos 90, depois de se mudar para Nova Iorque e de se apresentar em discotecas da cidade, tal como a Pyramid Club, atingiu a fama internacional. Além de participar em programas de televisão, também se aventurou na música, com temas como “Supermodel (You Better Work)”, do álbum Supermodel of the World (1993). Não se pode dizer que tenha sido uma completa surpresa: desde pequeno, a fama era mais do que um sonho. Pelo menos de acordo com a história contada pela família. Quando estava grávida, a mãe de RuPaul consultou uma médium que lhe disse que o seu bebé seria rapaz e estava destinado a ser famoso. Lá nasceu RuPaul. Sabia que não seria fácil, mas olhava para celebridades como Diana Ross, Cher, ou David Bowie que tinham descoberto o segredo, a fórmula para se tornarem estrelas. Um dia seria um deles. Mas não faltaram desafios. “Acho que toda a gente que quer ser famosa acha que isso vai resolver todos os seus problemas, que vai preencher o vazio que todos os seres humanos sentem. Mas, claro, isso não acontece. Na realidade, a fama realça todas as nossas fraquezas. E, no meu caso, obrigou-me a procurar soluções, não na fama, mas na auto-realização.” 

Pode dizer-se que a popularidade foi um ponto de viragem na sua vida, tal como foram outras experiências – como quando deixou as drogas ou terminou determinados relacionamentos amorosos. Mas, por muito que a vida tenha mudado, houve coisas que se mantiveram iguais. Uma delas é a sua visão da vida, de como não deve ser levada muito a sério – “as únicas coisas que eu levo a sério são o amor e a bondade. É importante lembrar que a vida é uma grande ilusão”. A outra são as questões que permanecem, que ficam por responder. Porque, mesmo depois de crescer, elas não desaparecem. Para RuPaul, é exactamente aí que fica a casa dos significados ocultos, que “representa todas as questões que tenho como ser humano. Sempre fui curioso e, apesar de ter encontrado muitas das respostas que tenho andado à procura, tenho ainda mais questões”, remata.   

RuPaul Charles. Contraponto. 248 pp. 17,70€

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