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É um dos teatros mais antigos em actividade em toda a Europa e o único de cariz lírico em Portugal. Já passou por vários melhoramentos e evoluções, como a passagem da luz de velas para iluminação eléctrica ou, a mais recente, a conservação e o restauro da fachada, em 2020-2021. A operação que se segue é estrutural e arranca em Julho, permitindo preservar 230 anos de história, bem como modernizar o espaço. Em termos práticos, vão poder resolver-se problemas como infiltrações, a degradação do palco ou o “mobiliário decadente” – “penso que todos devem sentir”, frisou Conceição Amaral, presidente do Opart (Organismo de Produção Artística), entidade que gere o espaço, durante a apresentação do projecto de conservação, restauro, requalificação e modernização do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), nesta terça-feira, 6 de Fevereiro.
Financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em 27,9 milhões de euros, a obra vai trazer melhores condições para os trabalhadores, para o público e para o armazenamento do espólio valioso do São Carlos, que inclui desde partituras a guarda-roupa, passando por uma harpa do século XVIII ou uma pintura de Almada Negreiros. Actualmente, “as deficiências são enormes”, assume a presidente do Opart, referindo-se a questões de segurança, isolamento térmico ou ventilação. Os camarins e o universo de bastidores, inclusive onde acontece toda a mecânica cenográfica, estão degradados, comprometendo não só o bem-estar da equipa, como também "o acolhimento de novas produções líricas" de teatros internacionais congéneres. Além disso, no São Carlos actual "não há espaço para projectos educativos ou exposições", uma circunstância que irá mudar, já que o projecto de reabilitação prevê o aproveitamento do vão superior para aqueles fins.
Em 2026 (calcula-se que a obra termine em Outubro), o TNSC deverá reabrir, assim, de cara lavada, mas também com novas funcionalidades. Para o público, além do sótão onde poderá circular para ver exposições, haverá cadeiras novas, melhor visibilidade para o palco na sala principal, melhor acústica, uma cafetaria e uma loja ao lado da bilheteira. Para os trabalhadores, as mudanças são mais profundas. O coro do TNSC ganhará uma nova sala de ensaios, tal como a Orquestra Sinfónica Portuguesa, com vista para o Castelo de São Jorge, cumprindo-se assim “uma necessidade com mais de 50 anos”. Ao mesmo tempo, os bastidores serão requalificados, haverá uma cantina e o palco será novo (e ajustável, consoante a natureza do espectáculo). O actual tem “uma inclinação de 6%”, o que cria uma grande “dificuldade de trabalhar”, como reconhece um dos arquitectos responsáveis pelo actual projecto, João Mendes Ribeiro, que chegou a ser cenógrafo no São Carlos. Por outro lado, “desde os anos 40, pouco se fez quanto à mecânica de cena”. Na nova intervenção, o sistema de cordas do século XVIII (de onde podem surgir novos elementos cénicos ou mesmo cenários inteiros durante os espectáculos) será, também, recuperado.
No futuro, o espaço será ainda “muito mais fácil de gerir”. Para a mudança contribuirá a instalação de umas escadas verticais, que servirão de elemento de ligação entre os três edifícios do complexo São Carlos, algo que, aliás, já constava no projecto do século XVIII do espaço. Como conta o arquitecto, durante a visita ao teatro, “todas as respostas estavam no projecto original”. O desenho actual parte, assim, de um trabalho profundo de investigação em que se apostou em “procurar na história a resposta ao futuro”. Preservar um espaço como o São Carlos, com tamanha carga histórica, e dotá-lo, ao mesmo tempo, de mais qualidades, é a premissa central do projecto.
Acervo, equipa e espectáculos em mudanças
Ainda antes de saber se teria financiamento, o São Carlos começou, no final de 2022, a inventariar todo o espólio em conjunto com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa. Entre fotografias, figurinos, guarda-roupa, pinturas, desenhos e partituras, mais de metade do património material foi catalogado, contando-se já “mais de 30 mil registos”. Durante as obras, no entanto, terão de encontrar um novo espaço de reserva. Assim, a documentação histórica começa em Março a ser transferida para a Academia das Ciências de Lisboa e, a partir de Julho, o Tribunal da Boa Hora (a cinco minutos do São Carlos), que está em obras de requalificação, começa a receber maquetas e elementos do guarda-roupa e transforma-se, ao mesmo tempo, na nova casa temporária dos 250 trabalhadores do TNSC. Será, ainda, palco de alguns espectáculos (sobretudo pequenos concertos e conferências) e de ensaios. O Museu Nacional da Música, o Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) e os armazéns do Opart são outros espaços que receberão peças no TNSC.
Apesar do fecho para obras, a nova temporada do São Carlos, que será apresentada em Maio, vai concretizar-se em diferentes espaços da cidade e do país, como museus, bibliotecas e monumentos, num modelo que vai permitir, acredita o director artístico, Ivan Van Kalmthout, “a democratização e promoção da ópera e da música sinfónica”. Em Lisboa, os centros da actividade artística serão o Teatro Camões (igualmente gerido pelo Opart), em obras desde Julho e com reabertura prevista para Outubro, o Centro Cultural de Belém, por onde passarão os maiores títulos, o Tivoli BBVA, que receberá concertos, e o São Luiz, onde entrarão os espectáculos de ópera. Esta é, ainda, “uma oportunidade para dar a conhecer o espólio do teatro através de exposições”, anuncia o director artístico.
Nos próximos dois anos, a realizadora Graça Castanheira estará a documentar processos, testemunhos, acervo e experiências em torno da nova vida agitada do São Carlos. Logo se descobrirá o resultado.
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