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Scissor Sessions: as tardes a colar papéis que fazem descolar do habitual

Longe de ecrãs e da pressão das horas, este clube de colagem agarrado a tesouras junta-se num pequeno pinhal de Lisboa todas as quartas-feiras.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Scissor Sessions
Francisco Romão Pereira/Time OutScissor Sessions
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A sessão está esgotada, se assim podemos dizer quanto a este espaço informal onde há sempre lugar para mais um. A questão é que já se arrastou uma mesa extra, puxaram-se cadeiras e começa a notar-se alguma espera pelo tubo de cola e pela tesoura. Pressa, no entanto, só se for em cérebros habituados à hiperprodução, coisa que não é desígnio do Collage Working Club, um clube de colagem cuja morada são os Jardins do Bombarda. Duas quartas-feiras por mês, dão-se as sessões informais, as Scissor Sessions, em que basta inscrever-se e aparecer. Já as outras duas são workshops, sessões mais estruturadas e orientadas, normalmente sob temas que podem variar do storytelling à mistura de diferentes técnicas manuais. Ao fundo, há revistas, folhas brancas e laranja que vão servir de base a cada trabalho, e também a "caixa dos caquinhos", diminutos pedaços de papel que foram sobrando de outras sessões. 

"Vamos começar e depois vemos o que acontece e o que que cada um quer disto", afirma a artista Nina Fraser. É ela quem organiza estas sessões, há cerca de dois anos, quando ainda funcionavam noutro espaço da cidade, o antigo Quartel do Largo do Cabeço da Bola, transformado em centro cultural pela cooperativa Largo Residências, que entretanto se transferiu para aqui, os terrenos do extinto primeiro hospital psiquiátrico do país, o Miguel Bombarda. "Estas sessões já aconteciam lá, mas num espaço fechado. Não havia tanto esta abertura e comunicação com o exterior", explica Nina à Time Out.

Scissor Sessions
Francisco Romão Pereira/Time OutScissor Sessions

A abertura de que fala a artista visual acontece pela própria configuração do lugar: três mesas ao ar livre, junto a um pequeno pinhal, onde a única desvantagem visível é o facto de os papéis usados nas sessões de colagem voarem em dias ventosos como hoje. Pelo menos para já. "Ainda não passámos aqui nenhum Inverno. Vamos ver", antecipa Nina, já que os Jardins abriram ao público como espaço cultural nesta Primavera.

"Como pedaços muito diferentes se podem juntar"

Enquanto um participante recorta tons escuros de uma revista de arquitectura, desenhando estrelas a caneta nos espaços em branco, outro prefere formar palavras com as letras que vai juntando de páginas soltas. Na colagem, não existindo a necessidade de dominar a técnica, nem havendo o pânico do pintor (ou do escritor) em frente à tela (ou folha) em branco, a criação torna-se simples. "É a forma de arte mais democrática que conheço", diz Nina Fraser, que emigrou de Inglaterra para Portugal há dez anos. "Sempre trabalhei com comunidades, o meu propósito foi sempre criar estruturas para que as coisas acontecessem." Em 2021, conheceu a cooperativa Largo e começou a trabalhar com eles. Achou que fazia falta um clube de colagem em Lisboa, como já existiam em cidades como Berlim ou Londres.

Nina Fraser
Francisco Romão Pereira/Time OutNina Fraser

"Não quero fazer disto uma 'coisa'. É algo muito simples, bonito e humilde, sem hierarquias, em que pessoas de backgrounds diferentes e com motivações muito distintas se podem juntar. Já tivemos um cientista nuclear a trabalhar junto a artistas ou professores, temos diferentes idades e nacionalidades. Não rejeitamos ninguém", explica, sublinhando que, aqui, não há pré-requisitos, mas a vontade de desenvolver um "collage thinking" (pensamento por detrás da colagem), "muito importante nos dias que vivemos", na sua visão. "Também na sociedade, podemos estar todos desalinhados e ser todos muito diferentes, com histórias diferentes, mas acabamos por nos conseguir 'colar' uns aos outros. A colagem mostra como pedaços muito diferentes se podem juntar", sustenta. Ao mesmo tempo, ao dar a hipótese de colocar um tubarão no topo de uma montanha, ajuda a concretizar "outras formas de ver as coisas".

Necessidades manuais

A par de tudo isto, um clube de colagem pode suprir diferentes necessidades individuais, como tem descoberto Nina Fraser ao longo dos últimos anos de trabalho. "Há motivações diferentes, desde a vontade de ter companhia à de descoberta." Mas, segundo a organizadora, há algo transversal a todos: a necessidade de fazer coisas com as mãos, a procura de "algo real, tangível", na era dos ecrãs tácteis.

Scissor Sessions
Francisco Romão Pereira/Time OutScissor Sessions

Ao fim de dois anos de clube, começam a aparecer pedidos de colagens aqui e ali, direccionados para o grupo. Nina explica que, não tendo sido montado a pensar nisso, o Collage Working Club pode "funcionar como uma espécie de agência de artistas", que seguem diferentes linhas de trabalho e propósitos, desde peças de vestuário à decoração de paredes, com cravos vermelhos a naves espaciais. Ou mesmo tudo junto. Enquanto aqui se criar, o improvável vai acontecer.

Jardins do Bombarda, Rua Gomes Freire, 161. (Campo Mártires da Pátria). Duas quartas-feiras por mês, 17.00-19.00, 7€

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