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Uma torre espelhada e uma porta lateral na Rua das Cruzes não convenceram algumas vozes mais críticas do projecto Recuperação e Valorização da Sé Patriarcal.
O projecto resulta de um protocolo assinado entre a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), o Cabido da Sé Patriarcal e a Câmara Municipal de Lisboa e foi apresentado em 2015. Mas a retirada das laranjeiras junto à Sé para dar início às obras deu origem a alguns protestos, tendo especial relevância a petição lançada pelo Fórum Cidadania Lx, com o título Petição em defesa da integridade da Sé Patriarcal de Lisboa, que critica, entre outras coisas, a falta de debate público; a demolição de "parte significativa da muralha da Sé" para a construção de um acesso ao museu; a construção de acessibilidades intrusivas, como o passadiço e o elevador; a construção de uma torre coberta a azulejos e espelhada. A petição põe ainda em causa o processo do concurso público para esta obra orçamentada em cinco milhões de euros e comparticipada por fundos europeus, Estado e Igreja Católica.
Opinião diferente tem o historiador de arte Vitor Serrão (professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e coordenador do centro de investigação ARTIS-IHA-FLUL) que esteve envolvido no processo nos anos 90 e que falou do caso na sua página pessoal de Facebook: “A acção do Fórum Cidadania Lx é sempre relevante, seja pelo alerta que traz a lume ou pelas denúncias que corajosamente assume. No caso que envolve a recuperação do claustro da Sé de Lisboa, porém, deve ser recomendada uma maior ponderação”, começou por escrever, acrescentando que se estão a confundir “reconstruções novecentistas hodiernas, tanto no caso do pano muralhado refeito, como no da torrela-escada, como se se tratasse de parcelas do acervo medievo original”.
A obra começou a ser pensada nos anos 90, numa altura em que foram iniciadas as primeiras escavações arqueológicas no claustro gótico da Sé Patriarcal, único em Lisboa. Trabalhos que foram interrompidos em 2004 e retomados em 2011. A demora na afinação do projecto prendeu-se com a tentativa de arranjar uma solução que reunisse consensos entre arqueólogos, patriarcado, município e, por fim, com o arquitecto vencedor do concurso para esta recuperação, Adalberto Dias.
Em linhas gerais, o projecto prevê a abertura de uma porta de acesso aos futuros núcleos arqueológico e museológico (dissimulada com pedras da muralha) na muralha virada para a Rua das Cruzes da Sé, uma estrutura que foi erguida após o terramoto de 1755 que abalou sem dó a Sé de Lisboa.
Consultámos o processo, acessível a qualquer cidadão na DGPC (Palácio da Ajuda) e tanto a Sé como o claustro onde foram encontrados os achados arqueológicos foram alvo de alterações e mudanças desde a sua fundação, muito por culpa dos sismos de 1321, 1531 e 1755. Outra peça do projecto são as escadas em elipse que partem do piso do claustro que terá um novo pavimento (em betão sairo castanho) e que substituem a tal torrela-escada, onde só cabia uma pessoa escada acima, ou escada abaixo. Questões de segurança para um espaço que será visitável pediram uma outra solução, encontrada, segundo o processo consultado, "num corpo de escadas" elíptico que será "realizado com planos opacos e envidraçados de forma a reduzir a sua presença". Olhando para cima, as novas escadas vão dar acesso à parte superior do claustro onde, numa outra fase, será possível visitar o Arquivo da Sé Patriarcal, em que se destaca o Arquivo Musical e o Arquivo de Vestes e Paramentos.
Voltando à questão da porta, esta servirá a segurança dos visitantes e funcionários – como saída de emergência, em caso de incêndio ou terramoto por exemplo, "em cumprimento da regulamentação em vigor para a lotação resultante da área construída", lê-se no longo processo, além de servir a cargas e descargas durante as obras. A decorar o centro do claustro está prevista uma taça de água, um objecto que a memória descritiva defende por historicamente compor espaços desta natureza.
Estes são os pontos que mais se destacam no projecto de arquitectura, sem contar com o elevador que dará acesso ao piso inferior, uma galeria subterrânea, onde irão morar os núcleos museológico e arqueológico que irão recuperar a memória deste lugar. E é uma memória extensa e heterogénea, numa área central das diferentes cidades que já existiram na colina do Castelo. Dali vamos poder ver em destaque uma rua romana da Olisipo Felicitas Julia com uma extensão de 17,5 metros, as lojas que a ladeavam e parte de uma casa, bem como um edifício público islâmico a toda a largura do claustro e que provavelmente fez parte das dependências de uma antiga mesquita. Um espaço museológico vai expor todos os achados que foram revelados nas escavações.
A intervenção está prevista demorar 18 meses.
+ Eurostars Museum: já pode visitar os achados arqueológicos do hotel que também é um museu