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Ser presidente da Junta? “Não digo que nunca tivesse ponderado”

Não esperava que fosse tão cedo, mas a demissão de Pedro Costa pôs Campo de Ourique nas mãos de Hugo Vieira da Silva. No bairro onde vive, quer mudanças na mobilidade, mais árvores e ver resolvido o problema de droga na Avenida de Ceuta.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Hugo Vieira da Silva
DRHugo Vieira da Silva
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A 30 de Abril, o socialista Pedro Costa, presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique desde 2020, veio a público afirmar que era "tempo de fechar um ciclo". Assim abandonou o lugar, mas não sem deixar recados a Carlos Moedas. Numa carta dirigida aos munícipes, referiu ter chegado ao limite "face ao silêncio da Câmara Municipal". "É difícil dar a cara junto dos eleitores com a falta de informação de que disponho e sinto que é impossível, com a energia que me resta, garantir as prioridades certas para a freguesia de Campo de Ourique", acrescentou. O ex-autarca (e filho do ex-primeiro-ministro, António Costa) é agora director-geral do grupo de media GCI, tendo passado o testemunho na Junta a Hugo Vieira da Silva. Nesta entrevista por e-mail à Time Out, o novo presidente e membro da Comissão Política Nacional do PS fala da chegada do metro à freguesia, do "estacionamento abusivo" e da vontade de retirar tráfego ao Jardim da Parada, mas também da criação de respostas de saúde mental e de um teatro de bairro, e de travar o consumo e tráfico de droga no vale de Alcântara, que considera o maior desafio do território. Quanto a problemas de comunicação com o executivo municipal, para já, ficam de fora. 

Pedro Costa desejou-lhe a maior das sortes para assumir o papel de presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique. Em que temas poderá precisar dela?
Em política, a sorte constrói-se. Tenho a sorte, essa sim, de herdar uma equipa altamente motivada e qualificada, e um trabalho de base, para a construção do qual me orgulho de ter contribuído nos últimos quatro anos. Tenho também a sorte de poder servir o meu bairro, a minha comunidade, ver e sentir o fruto do nosso trabalho de cada vez que saio de casa, de cada vez que me cruzo com vizinhos e amigos, que entro no meu antigo liceu ou vou com a minha família ao jardim. Tenho a sorte de saber que não preciso de sorte, preciso de força, de resiliência e do apoio do nosso bairro para concretizar os projectos que juntos vamos construir: da Praça Afonso do Paço, que queremos transformar num jardim; da Rua do Arco do Carvalhão, que precisamos de requalificar; da Mercearia Social dos Sete Moinhos, que queremos tornar uma realidade; dos refeitórios escolares, que queremos progressivamente assumir, garantindo confecção própria, com qualidade para todas as crianças de Campo de Ourique; da abertura de um Espaço Cidadão; e do plano de investimentos em Espaço Público, garantindo 100% de passadeiras seguras e um ambicioso plano de arborização. Precisarei talvez de sorte nos temas que dependem de terceiros, como a já anunciada requalificação da Rua Ferreira Borges, a construção dos dois silos de estacionamento previstos para o bairro, a necessária reabilitação da encosta do antigo Casal Ventoso, a construção de um pavilhão desportivo que sirva a Quinta do Loureiro, a construção de um teatro de bairro, a construção do novo centro de saúde, a requalificação da Escola Manuel da Maia, a conclusão da requalificação em curso da Escola Rainha Santa Isabel, ou o aumento da rede de creches no bairro, tudo dossiers da Câmara Municipal de Lisboa, mas fundamentais para Campo de Ourique. Somam-se ainda a abertura ao público dos jardins do Reservatório das Amoreiras por parte da EPAL, a chegada do metro a Campo de Ourique e a urgente construção de habitação de renda acessível no bairro, esta de competência partilhada entre a CML e o Governo. Estou, no entanto, convicto de que estes últimos são temas onde a capacidade de diálogo, a boa-vontade dos interlocutores e a construção de uma relação de confiança mútua serão mais determinantes que a sorte. 

O "silêncio" da parte da CML foi apontado por Pedro Costa como uma das principais razões para a sua saída. Como comenta esta afirmação e de que forma pretende abordar este ponto, enquanto presidente?
O presidente Carlos Moedas teve a gentileza de me telefonar no primeiro dia como presidente de Junta, ainda a partir de Buenos Aires, apresentando-me os seus cumprimentos e demonstrando a sua disponibilidade para reunir em breve, tendo eu expressado a necessidade de fazer um ponto de situação dos temas pendentes. Independentemente das naturais divergências de visão para a cidade de quem provém de forças políticas diferentes, da minha parte tudo farei para construir pontes e encontrar pontos comuns. 

Quais os dossiers prioritários para a freguesia?
Temos de garantir mais e melhores jardins, melhores escolas, melhores ruas para caminhar, arborizadas, libertar os passeios do estacionamento abusivo, densificar a rede de docas Gira e acautelar a grande transformação ao nível da mobilidade no bairro que a chegada do metro representa. Temos também, reconhecendo o impacto que a pandemia teve e evidenciou na saúde mental, de aumentar o nível de resposta pública nesta área. Já iniciámos um protocolo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses e pretendemos avançar com a contratação de associações que actuem nesta área, de modo a aumentar a rede e democratizar o acesso às respostas de saúde mental. Por último, na educação, queremos aprofundar ainda mais as respostas que damos, e assumir para a Junta de Freguesia as refeições escolares, de forma a corrigir o problema crónico de falta de qualidade.

Quais os problemas que a freguesia tem de resolver mais rapidamente?
O problema que mais preocupações me levanta é a situação na Avenida de Ceuta, onde o crescente consumo e tráfico de droga impactam não só aqueles envolvidos, mas também a população da Quinta do Loureiro, historicamente já tão estigmatizada, invadindo não só o espaço público, mas também as áreas comuns de vários dos prédios. É um problema sério e transversal, que não se resolve com medidas avulsas. Segue-se a habitação, que, não obstante ser um problema de dimensão nacional e da cidade de Lisboa, é um problema particular de Campo de Ourique, ameaçando a expulsão dos residentes e o descaraterizar do bairro. Por último, os problemas do espaço público, onde a necessidade de construção de estacionamento no bairro não nos pode levar a tolerar o estacionamento abusivo que invade passadeiras, bloqueia portas e acessos aos prédios, dificulta e impede a circulação em segurança. Também aqui uma fiscalização mais rigorosa é necessária, em particular nas cargas e descargas abusivas.

Jardim da Parada
Francisco Romão PereiraJardim da Parada

Está nos planos da Junta de Freguesia promover habitação acessível, de forma autónoma? Se não, porquê?
Todas as semanas somos procurados por pessoas desesperadas, que se vêem na iminência da expulsão da comunidade que conheceram toda a vida. Não obstante o apoio jurídico que prestamos nestas situações, a solução para o problema tem forçosamente de passar por um ambicioso plano de construção de habitação pública, de renda acessível. Para isso identificámos diversos terrenos municipais passíveis de construir bolsas de arrendamento acessível. Fizemos um levantamento exaustivo dos imóveis municipais devolutos. Reivindicámos a conversão do edifício da presidência do Conselho de Ministros em habitação pública após a conclusão da transferência desta para o edifício da Caixa Geral de Depósitos e explorámos o potencial construtivo transformador do Quartel de Campo de Ourique na eventualidade da sua desactivação. Solicitámos a revisão do Plano de Urbanização do Vale de Alcântara, para que também este contemplasse a construção de mais habitação acessível, e disponibilizámo-nos para transformar o edifício da sede da Junta de Freguesia em habitação, transferindo os serviços para outro edifício a construir. Até agora nenhuma destas tentativas colheu fruto, tendo, porém, sido conseguida a inclusão da Rua dos Sete Moinhos na Carta Municipal de Habitação como Habitat de Requalificação Prioritária, e a Rua Maria Pia e a encosta do Vale de Alcântara como Zona de Intervenção Prioritária. 

Depois do teste ao "superquarteirão" no Jardim da Parada, no ano passado, o que podem esperar os fregueses sobre iniciativas do género em Campo de Ourique?
O superquarteirão foi um sucesso, foram nove dias em que se conquistou um espaço para o bairro. O estudo que realizámos em simultâneo demonstrou uma melhoria significativa na diminuição do ruído automóvel e na qualidade do ar; e no inquérito de satisfação obtivemos nota positiva em todas as faixas etárias, com uma maioria a defender que o superquarteirão se torne uma realidade permanente. O passo seguinte será integrar esta aprendizagem nos planos para o futuro do bairro após a chegada do metropolitano. Aqui, o resultado final não dependerá apenas da Junta da Freguesia, mas também da vontade do executivo municipal. No entanto, uma coisa é para mim evidente: o trânsito de travessia, de quem usa Campo de Ourique apenas como atalho para atravessar a cidade, tem de ser reduzido em todo bairro e, no Jardim da Parada, deve mesmo deixar de existir.

Apesar de algumas mudanças, o Metro de Lisboa continua a prever ter uma estação no Jardim da Parada, mesmo perante a contestação da população. Como vai acompanhar este tema?
É um dos temas que tenho feito questão de acompanhar pessoalmente. As exigências da Junta de Freguesia na negociação com o Metropolitano de Lisboa foram determinantes, nomeadamente na redução dos poços de ataque inicialmente previstos de dois para um, na orla do jardim onde actualmente estão situadas as casas de banho; na deslocalização do estaleiro de obra de dentro do jardim para as ruas laterais; na preservação do máximo número de  árvores, reduzindo em mais de 50% o impacto inicialmente previsto; ao assegurar a salvaguarda de todas as árvores classificadas; e ainda a plantação de 50 novas árvores nas ruas de Campo de Ourique para compensar a perda de captura de carbono. Tudo isto está hoje salvaguardado não só pelas sucessivas revisões do projecto, mas acima de tudo consta das obrigações impostas pela Agência Portuguesa do Ambiente, na Declaração de Impacte Ambiental, que tem força de Lei. Durante a obra, não só a oferta de parques infantis será assegurada com a deslocalização do parque existente para o jardim do adro da igreja de Santo Condestável (que será baptizado de Jardim de São Nuno de Santa Maria após uma recém-concluída votação), mas será ainda aumentada com a construção de um novo parque infantil na Praça Afonso do Paço, a dois quarteirões.

Campo de Ourique
Mariana Valle LimaCampo de Ourique

A EMEL tem dois parques de estacionamento previstos para Campo de Ourique, um deles já para este ano. Será suficiente para a falta de estacionamento na freguesia?
A construção dos dois parques de estacionamento previstos, um de 90 lugares na Travessa do Bahuto e outro de 500 lugares no Pátio das Sedas, em conjugação com a já conseguida dedicação de 680 lugares exclusivos a residentes no período nocturno, após solicitação da Junta de Freguesia, são fundamentais para resolver o problema do estacionamento em Campo de Ourique. Estes representam, no entanto, a última oportunidade de construção de estacionamento no centro do bairro. Mas os lugares nunca serão suficientes num bairro com a densidade de Campo de Ourique, se a principal forma de mobilidade for sempre o automóvel. Daí a importância da chegada do metro.

Qual é a sua visão sobre a mobilidade em Campo de Ourique? Em que pontos é necessário investir?
A chegada do metro tem de ser integrada numa visão intermodal mais abrangente: mais docas Gira integradas da rede ciclável da cidade, estando já mais duas previstas, e outras em estudo, a par da ligação do bairro à rede do resto da cidade, nas Amoreiras e no Vale de Alcântara; e ainda a revisão e reforço das carreiras de bairro e a capilaridade da rede de transportes da cidade. É necessário melhorar a acessibilidade pedonal e um ambicioso plano de arborização, mitigando o impacto do aquecimento global, garantindo ruas mais frescas, com sombra, mas também uma rede de bebedouros, e o aumento da área verde do bairro. Mas pretendemos ir mais longe. Enviámos recentemente para análise da CML o PEMAS – Plano Estratégico de Mobilidade e Acessibilidade de Campo de Ourique, que apresentaremos brevemente, e que coloca uma ênfase na qualidade de vida dos moradores: melhorando o escoamento de trânsito do bairro, diminuindo o trânsito de atravessamento, canalizando quem pretende apenas usar o bairro para atravessar a cidade para as ruas com dimensão adequada, reforçando o carácter residencial do estacionamento, melhorando a acessibilidade pedonal e reduzindo a pressão colocada pelas tomadas e largadas de passageiros e logística das cargas e descargas. 

O que planeia a Junta fazer para aumentar a resiliência climática da freguesia, nos anos que se avizinham?
A resiliência às alterações climáticas é porventura o maior desafio da gestão urbanística do século XXI. Os corredores verdes, de Ribeiro Telles, têm de ser expandidos, as ruas do bairro devem ser progressivamente arborizadas, começando desde já pelas esquinas, onde entregámos à Câmara Municipal um plano de arborização que prevê a plantação de 200 novas árvores, mas alargando o conceito à criação de corredores azuis, devolvendo à cidade cursos de água que foram ao longo dos anos cortados, desviados ou encanados. Lisboa é a cidade das sete colinas, mas entre todas elas corriam ribeiras, como a do vale de Alcântara que se encontra enterrada e encanada, e deve ser devolvida à superfície. Mas este trabalho também é comunitário. Pretendemos brevemente lançar à população o desafio de participar numa rede de medidores de qualidade do ar, chamando todos a contribuir.

Por último, pergunto-lhe como é chegar a presidente desta forma? Liderar a Junta era algo que estava nas suas expectativas?
Não digo que fosse algo que nunca tivesse ponderado, mas certamente não tão cedo. Como disse no comunicado que escrevi aos moradores no dia em que tomei posse, é com muito orgulho, alegria e sentido de missão que assumo a presidência da Junta de Freguesia de Campo de Ourique. Defendo uma visão progressista para a cidade, e em particular para Campo de Ourique, em linha com a visão do Partido Socialista. Assumo o desafio de liderar um executivo cuja prioridade é defender os interesses dos fregueses, encontrar pontos em comum com o executivo municipal, concretizar projectos em curso e conquistar para o bairro, rua a rua, as legítimas ambições de uma população que quer mais e melhor Campo de Ourique.

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