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As notícias diárias vão-nos dando conta do trabalho desenvolvido pela Polícia Judiciária (PJ), mas nunca nos apercebemos dos meandros das investigações, das oportunidades ou falta delas, das horas mal dormidas ou do risco que corre quem dá o corpo às balas. A nova série PJ7, que se estreia esta quinta-feira na RTP1, recorda oito dos casos mais mediáticos investigados pela PJ, desde 1997. Como o desmantelamento do perigoso Gangue do Vale do Sousa, o caso do Violador de Telheiras ou a bizarra história do assassino em série auto-intitulado Rei Ghob.
A ideia surgiu com o objectivo de assinalar os 75 anos da PJ, mas, apesar da estreia acontecer três anos depois, será inédito este mergulhar nos meandros de cada uma das investigações, graças à colaboração da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária e da própria Direcção Nacional da PJ, que viram com bons olhos este projecto.
“Não é fácil estes homens e mulheres darem a cara. Mas também vivemos numa altura em que temos de sair da nossa concha e temos de nos abrir, sobretudo quando temos orgulho naquilo que fazemos todos os dias. Com um compromisso com os valores, com a lei, com a justiça, com vestir a camisola e ser PJ. A partir de hoje estamos mais expostos. E a exposição muitas das vezes traz aspectos da vida humana que não são salutares. Não pensem que todos os casos se resolvem, também temos espinhas atravessadas na garganta”, explicou Luís Neves, o actual director-nacional da PJ, durante a apresentação do projecto, que decorreu no CCB na passada sexta-feira.
No mesmo dia, o realizador, Paulo André Ferreira, adiantou que o principal desafio desta produção passou por “contar uma história que muitas vezes parecia uma ficção”, onde cada episódio tem “particularidades diferentes”, dos crimes de homicídio às fraudes, e onde “os inspectores são a alma deste projecto”.
Também presente, José Gandarez, o ideólogo de PJ7 e fundador da produtora Sky Dreams Entertainment, não poupou elogios a estes profissionais: “Vocês são heróis portugueses e é preciso dar-vos a conhecer. São os bons, os que defendem bem, os que protegem, os que investigam, os que dão a vida, que previnem e reagem em nosso nome. As Amálias e os Ronaldos misturados no povo e do povo. São heróis com rosto, desconhecidos e discretos, sem busca de reconhecimento público”.
A produção mereceu ainda elogios de José Fragoso, o director da RTP1, canal que tem na produção de documentários “uma das suas linhas estratégias mais importantes”. “Não foi nada fácil conseguir o que foi conseguido nesta série. Normalmente, entrar neste universo é difícil para quem produz, mas é realmente uma mais-valia, tem valor acrescentado o que se conseguiu nesta produção.”
Em declarações à Time Out, José Gandarez explicou os meandros não da sua investigação, mas desta sua última produção, e como foi recebido o projecto pela própria PJ. “Eles perceberam a seriedade da abordagem. O facto de termos lançado isto a propósito do aniversário fê-los pensar que era a altura de se darem a conhecer. Dando-se a conhecer ganham se calhar ainda mais respeito e mais reconhecimento. Espero que estejam satisfeitos e quem me dera daqui a algum tempo estar a fazer a temporada dois. Acho que fomos bem aceites, perceberam que era para um bem maior.”
Em vez das clássicas recriações dos crimes com recurso a figurantes, a produção optou por introduzir ilustrações que contassem parte das histórias, mas há outro pormenor interessante, como explica Gandarez: “Cada episódio tem uma cor diferente nas ilustrações, que são muito bem feitas, mais uma vez a puxar pelo talento português. Em alternativa, podíamos fazer a reconstituição dos crimes. Mas para além de não termos verba para isso, também é uma coisa diferente.” A estreia acontecerá agora em sinal aberto, mas Gandarez já está a negociar com as plataformas de streaming, onde vemos muitas produções que viram os holofotes para os crimes reais. “É cada vez mais um conteúdo que as plataformas perseguem e gostam.”
Uma produtora boutique
Mesmo quem não conhece pelo nome a Sky Dreams Entertainment provavelmente já ouviu falar das suas produções. Nascida há nove anos, começou por apostar na produção de remakes de filmes clássicos do cinema português, como O Pátio das Cantigas (2015), O Leão da Estrela (2015), A Canção de Lisboa (2016) e, mais recentemente, O Pai Tirano (2022), uma produção um pouco diferente das anteriores, já que manteve a acção nos anos 40 do século passado.
Mas, no portfólio, a Sky Dreams também inclui muitas histórias do nosso país. É o caso dos filmes Snu (2019), produção sobre a dinamarquesa Snu Abecassis, que assumiu uma relação com Francisco Sá Carneiro e acabou por ser também uma das vítimas da tragédia de Camarate; ou de Salgueiro Maia: O Implicado, outro drama histórico, sobre um dos heróis da Revolução dos Cravos. E há mais dois a caminho, sobre duas personalidades que marcaram a política portuguesa: Álvaro Cunhal e Mário Soares, com estreia prevista para 2024, ano em que se assinalam os 50 anos do 25 de Abril de 1974.
São filmes, mas como já nos vamos habituando, terão uma versão em série chamada Homens de Honra, com quatro episódios sobre Soares e mais quatro sobre Cunhal, que será exibida pela RTP1. O nome dos actores está ainda no segredo dos deuses, e ambos participam nas duas histórias, mas a realização estará a cargo de Sérgio Graciano. “Depois temos uma série que fechámos com a TVI, que se chama O Arquitecto, inspirada no Tomás Taveira. Estamos à procura de mais umas parcerias para fechar orçamento”, adianta o fundador da Sky Dreams.
Apesar de já ter desenvolvido nove produções em nove anos de actividade, Gandarez descreve a sua produtora como uma “pequena boutique”. “Não somos uma produtora que quer produzir muito, temos uma estrutura mais ou menos equilibrada de custos e de dimensão e queremos seleccionar muito bem os projectos que fazemos. Até porque os projectos demoram tempo. Na PJ7, passámos por três presidentes da Associação Sindical [dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ)]. E o projecto do Soares e do Cunhal, que vamos filmar agora em Setembro, já há dois anos que o estamos a trabalhar.”
O ritmo de produção irá continuar de acordo com o interesse demonstrado por possíveis parceiros, das televisões às plataformas de streaming. “Vamos pensando em histórias, temos muitos guiões trabalhados. Mas não havendo a capacidade financeira de investimento próprio nos projectos, dependemos sempre se os outros gostam. Agora estamos a desenvolver uma série sobre a protecção dos oceanos, uma grande produção internacional, mas está ainda em desenvolvimento.”
A Sky Dreams ainda desenhou uma aventura pelo cinema de animação, com Odd é um Ovo (2017), curta-metragem que fez parte da selecção oficial de muitos festivais de animação de todo o mundo, tendo trazido prémios do norte-americano Tribeca Film Festival (Melhor Curta de Animação) e do croata Animafest Zagreb. Mas, para já, é o único filme animado da Sky Dreams. “Na altura quis mesmo fazer uma coisa como deve ser para as crianças, mas desisti por falta de financiamento. Ganhamos prémios, mas não tivémos retorno financeiro”.
RTP1. Qui 22.45 (estreia)
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