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‘Severance’. Ben Stiller quer abrir-nos a cabeça (o crânio mesmo) com esta série

E se fosse possível separar as memórias pessoais das de trabalho? Segundo a nova série de ficção científica da Apple TV+, não seríamos mais felizes.

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
Director-adjunto, Time Out Portugal
Severence
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Ben Stiller cimentou-se na cultura popular nos anos 1990, quase inevitavelmente através da comédia, já que o pai, Jerry Stiller, era uma lenda do humor. Ora, quem sai aos seus não degenera e Ben tornou-se indissociável de filmes como Doidos Por Mary, Um Sogro do Pior, À Noite, no Museu ou Starsky & Hutch. Não são os títulos mais prestigiantes. No entanto, sempre foi fazendo outras coisas, tanto à frente da câmara (Império do Sol, Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial, Greenberg) como atrás dela. Depois de O Melga, Zoolander ou Tempestade Tropical, realizou e surpreendeu com A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), filme que marca o início de um novo capítulo na sua obra, que desde então se tem desenvolvido na televisão. Primeiro com Escape at Dannemora (2018), minissérie dramática que apesar de multinomeada para os Emmys não se estreou em Portugal, e agora com Severance, uma lenta e geométrica série de ficção científica cujos nove episódios começam a ser disponibilizados esta sexta-feira, semanalmente, na Apple TV+.

Severance tem uma premissa peculiar. Uma empresa, a centenária Lumon Industries, desenvolveu um dispositivo cerebral que permite separar memórias pessoais e memórias de trabalho, e emprega pessoas assim num piso específico do seu enorme edifício. Quem se submete ao procedimento – que não deixa de obrigar a uma craniotomia –, fá-lo de livre vontade, gravando antecipadamente um vídeo para ser mostrado à segunda personalidade que nascerá dessa intervenção. Esta acordará do nada, sem saber quem é nem como foi parar àquela sala de reuniões, fechada, com um desconhecido a fazer-lhe um questionário a que não sabe responder por interfone. Na prática, estes funcionários têm duas facetas incomunicáveis: dentro do escritório, não têm qualquer memória do que se passa lá fora; assim que o deixam, voltam às suas vidas sem a mais pálida ideia do que fizeram nas oito horas anteriores. A troca dá-se no elevador, o que significa que há uma personalidade que nunca deixa o trabalho, nunca dorme, nunca vê a família nem os amigos. A última memória de um dia é a sair, e a primeira é a entrar. A falta de luz natural no escritório não ajuda.

Os trabalhadores absolutamente concentrados nas suas tarefas, sem distrações do exterior, sem problemas pessoais, são mais eficazes e produtivos. Por outro lado, não levam as frustrações de trabalho para casa. Toda a gente sai a ganhar, certo? Claro que não. Severance não é sobre o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal; é sobre o peso esmagador que o trabalho tem nas nossas vidas, sobre a sensação de estarmos sempre ligados, sobre usarmos o trabalho como escape a vidas insuportáveis, sobre nos definirmos pela profissão, sobre gurus do progresso. É muito oportuno, em particular numa altura em que o mundo laboral passa pelo que está a ser designado por A Grande Reorganização, pós-pandemia. De certa forma, é também uma continuação do tema de A Vida Secreta de Walter Mitty, e do seu arquivista sonhador, com Ben Stiller a apurar a realização estilizada para nos embrenhar num labirinto de corredores brancos e indistinguíveis, que separam escritórios assépticos com mobiliário dos anos 1950, num ambiente que deambula entre Mad Men e o Stanley Kubrick de 2001: Odisseia no Espaço. Stiller dirige seis episódios; Aoife McArdle (Brave New World), os outros três. O criador é o estreante Dan Erickson.

Em concreto, a série centra-se em Mark (Adam Scott), um antigo professor que perdeu a mulher num acidente de viação, e que usa o tempo na empresa para esquecer a dor dessa perda. Mark é promovido a chefe de departamento quando Petey (Yul Vazquez), o seu melhor amigo no escritório, desaparece – e é substituído pela contestatária Helly (Britt Lower), que vai ser um elemento disruptivo constante nesta divisão gerida por Peggy (Patricia Arquette) e supervisionada por Milchick (Tramell Tillman). Juntamente com Mark e Helly, a executar uma função que os próprios não sabem para que serve, estão Dylan (Zach Cherry), que tende a focar-se no acessório, e Irving (John Turturro), para quem tudo é essência e que cita o manual escrito pelo fundador da empresa como quem recita a Bíblia, e que vai desenvolver uma ternurenta e platónica relação com Burt (Christopher Walken), de outro departamento. Mas eis que, tanto no interior como no exterior da Lumon, começa a haver pequenas brechas que podem pôr tudo aquilo em causa. Basta passar a mensagem.

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