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De que é feita uma cidade senão da mistura das suas gentes? Na gastronomia, na música, na literatura, no cinema e na televisão, na arte, na formação e, até, na política. Não há nada que façamos hoje que não seja fruto dessa mistura – mesmo que nem sempre nos possamos aperceber disso. Ainda mais numa cidade como Lisboa. A capital portuguesa é crioula por isso: não tem uma cor, tem várias, tal como tem várias línguas, sotaques, histórias e ritmos. E foi assim que nasceu Lisboa Criola (www.lisboacriola.pt), um “projecto cultural, criativo, transversal e participativo, que tem por missão aproximar, celebrar e amplificar a mistura cultural que compõe a cidade comum que nos une”, como se lê na sua apresentação. Por detrás da ideia, também não poderia estar apenas uma pessoa, mas várias com a mesma vontade, embora não seja de estranhar que Dino D’Santiago seja um dos grandes impulsionadores, ou não estivesse já tudo na sua música.
“Esta cidade já me deu tanto, quer a mim, quer a todos os envolvidos no projecto, que de uma forma bonita sentes que devolves à cidade. Criar uma plataforma que se transforma numa montra é o mínimo [que podemos fazer]”, diz à Time Out Dino D’Santiago, explicando que esta Lisboa Criola começou a ser desenhada em 2018 com o intuito de “valorizar o facto de sermos uma cidade tão crioula e misturada há tanto tempo”.
O passo seguinte, conta Mónica Rey, directora de produção, foi “pensar como poderia ser o nosso contributo para esta valorização e para que as pessoas de alguma forma se sentissem representadas”. “Achámos que seria pela educação que teríamos de nos colocar porque isto é para o nosso futuro e se não tivéssemos aqui um papel para tentar mudar mentalidades ou formas de pensar, ou tornar a sociedade mais una, se calhar não iríamos fazer nada”, explica.
Assim nasceu então um projecto cultural, criativo, transversal e participativo, que irá tocar em várias áreas da vida na cidade, da música à gastronomia, sem deixar de fora as artes plásticas, visuais e performativas. Tudo com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, o que para Dino “é o assumir de uma bandeira de Lisboa como capital crioula mundial”.
Todos os meses, de Julho a Dezembro, e seguindo um tema específico, 12 artistas de backgrounds muito distintos, vão, a pares, dar a conhecer a sua Lisboa numa série de mini-documentários. “E desses encontros acontece uma obra”, explica o músico. E isso acontece num workshop digital. “Mas não é um workshop formal de powerpoint”, alerta Mónica. “É, sim, a passagem do testemunho deles, de uma forma informal, para todos os que queiram aprender, ou que tenham simplesmente curiosidade. Depois desse momento, criam então uma obra em conjunto como exemplo do que é esta mistura. E depois disso, nós dizemos: agora que já se inspiraram e aprenderam, mandem-nos os vossos projectos e abrimos um desafio à comunidade, que é um concurso, aberto a todas as pessoas”, continua, reforçando que tudo aqui é gratuito. “Essa foi uma das grandes lutas, que tudo fosse mesmo acessível para que qualquer criança possa coabitar no mesmo universo, venha de Chelas ou do Restelo”, diz Dino.
No mês de arranque, já a partir de 1 de Julho, o tema escolhido foi “Comunicação” e a actriz portuguesa de ascendência chinesa Jani Zhao vai fazer dupla com o actor, realizador e activista luso-guineense Welket Bungué. Seguem-se as Batucadeiras com Sam The Kid, a designer de moda Alexandra Moura com o fotógrafo Daryan Doernelles, o cantor Paulo Flores com o DJ Marfox, o colectivo de novos cozinheiros New Kids On The Block (NKOTB) com a chef Jeny Sulemange, e a fadista Sara Correia com o artista plástico Tony Cassanelli.
“A escolha destes artistas foi o mais difícil para nós”, conta Mónica, explicando que “foram precisas muitas conversas com muitas pessoas diferentes”. “Quisemos ser democráticos e espelhar o que nós acreditamos e o que nós queremos celebrar, que é esta mistura. Tentámos diversificar o máximo possível, mas não conseguimos ter todos já nesta primeira fase”, acrescenta. E Dino explica: “Muita gente associa Lisboa Criola à parte negra e é precisamente o oposto, é o resultado da mistura. Esta Lisboa Criola é a Lisboa que existe, é a Lisboa de todos nós.”
“Para mim, das cenas mais bonitas da ideia é que vai nascer um mapa da Lisboa Criola em que cada mentor vai mostrar onde é esta sua Lisboa, onde é que se inspirou, acabando por te mapear a cidade de uma ponta a outra de forma transversal, para que qualquer pessoa possa conhecer um pouco desta Lisboa aculturada, misturada”, conta Dino, para quem este mapa se transformará também numa plataforma para todas as outras manifestações dentro deste universo – eventos, lojas, restaurantes, cabe tudo neste Lisboa Criola, que pode também ser seguido no Instagram.
Mas há mais a acontecer. Há poemas, entrevistas e crónicas, notícias e um projecto que não quer ficar por aqui. Aliás, é digital por conta da pandemia, mas o objectivo é que no futuro, quem sabe já em 2022, salte para a rua. “Nós queremos de alguma forma fazer a diferença”, aponta Mónica. “Sabemos que não vamos mudar o mundo, mas queremos fazer a nossa parte e achamos que esta proximidade, esta troca de influências, pode sensibilizar as pessoas para uma mudança de igualdade.”
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