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“Boa tarde, tem gomas?” O pretexto parece simples, a pergunta inocente. Mas suspeitamos estar perante uma armadilha tão depressa quanto, de repente, se ouve alguém pedir “tolerância”. Criado a partir de um texto do dramaturgo brasileiro João Fábio Cabral, o primeiro espectáculo do Teatro Bastardo ameaça engolir o público numa cruzada interior alucinante e impiedosa, que acompanha a queda vertiginosa de Zeca como se fosse a nossa (quem quer que sejamos). A estreia de Guloseimas está marcada para esta sexta-feira, 23 de Julho, às 21.30, no Teatro Taborda. Se aguentar firme até ao fim, talvez se sinta tentado a confessar um pecado ou dois.
“Numa leitura ocasional da colectânea Cinzeiro, publicada pela nVersos em 2013, cruzei-me com este conto de João Fábio Cabral. Por um lado, parece-me particularmente interessante em termos de ritmo e linguagem. Por outro, permite-nos criar um universo em diálogo com o subconsciente, onde, no fundo, tudo é possível”, diz o actor e encenador Gonçalo Botelho, director artístico do Teatro Bastardo. Fundado em 2019, o colectivo sediado em Oeiras assinou a sua primeira produção em 2020 – o drama online em três actos, Providentia, foi resultado de uma bolsa de criação do Teatro Nacional 21 – mas só agora se estreia em palco, com um novo espectáculo, no âmbito do ciclo Try Better, Fail Better do Teatro da Garagem.
Numa espécie de “tenda do Chapitô”, que se ergue após a entrada do público em sala, encontra-se a loja de Maria, amiga de Tolerância e Dutempo. É à porta desse estabelecimento, aparentemente inofensivo, que se encontra Zeca, um protagonista sem rosto, que só queria gomas e se vê encurralado por três personagens tão exuberantes quanto ameaçadoras. Por entre uma verborreia inesperada de acusações e súplicas, a acção parece empurrar-nos a todos para o abismo onde habitam os seres mais execráveis à face da terra. A mola mestra é o mais humano dos sentimentos ‒ o amor (o Zeca diz que as gomas são para a mulher) e o medo com que vivemos quando há amor (ou falta dele).
“Estamos a ver e a pensar ‘coitado, não está a perceber nada, eu também não, deixa lá ver onde isto vai dar’, porque, no fundo, não conseguimos desviar o olhar, queremos perceber, encontrar o sentido. O ele estar sempre de costas é, de facto, propositado. Os espectadores estão na mesma situação desse Zeca, que está ali naquele sítio, sem perceber bem como é que lá chegou e o que está a acontecer”, partilha Gonçalo, sem querer revelar demasiado. “É um sonho, no final acorda-se”, diz. Bem tentamos acordar, mas sabemos como a realidade pode ser tão cruel quanto os últimos 45 minutos de sobressalto que se viveram em palco.
Com interpretação de Francisco Pereira de Almeida, Gonçalo Egito, Miguel Galamba e Rogério Vale, Guloseimas fala-nos de tolerância e gentileza, de compromissos e privilégios, do peso das palavras e da ilusão das imagens, da cidade e das dores e deleites que nascem nesses espaços urbanos, do céu e do inferno e de outras inquietações quotidianas. Após a estreia na sexta-feira, repete-se “o circo” no dia seguinte, 24 de Julho, pelas 21.00. Os bilhetes (5,35€) já estão à venda na plataforma See Tickets.
Teatro Taborda. Costa do Castelo, 75. Sex 21.30 e Sáb 21.00. 5,35€.
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