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Ao longo do mês de Setembro, a paisagem da Amadora ganhou novas cores e novos andaimes onde se tem empoleirado um conjunto de artistas urbanos, que se vão dividindo entre a pintura e a conversa. As Conversas na Rua voltaram para a 9.ª edição, no âmbito do Amadora em Festa, e aproveitámos o mote para dar à língua com quatro dos artistas convidados pelo município para desenhar murais que se irão juntar ao cada vez mais diverso roteiro de arte urbana da Amadora. No total, são seis as novas peças que o Conversas na Rua juntou às 56 já existentes. Odeith, Patrícia Mariano, Theic e Vasco Maio desceram à terra para falar com a Time Out Lisboa.
Patrícia Mariano
Nunca é tarde para encontrar as cores da vida e Patrícia Mariano trocou as voltas à sua para abraçar o seu verdadeiro talento. Ex-copywriter, há cerca de seis anos decidiu dedicar-se a tempo inteiro à pintura, uma actividade que sempre exerceu à margem de uma profissão que afinal não era o seu caminho. Hoje, é pintora e artista mural e foi convidada para dar ânimo a um muro do Logradouro dos Recreios da Amadora, com um tema ligado ao teatro, que falasse para a sala vizinha. “Tinha de ter alguma coisa a ver com teatro, com bailado, com o que fosse. E eu não sou Degas mas adoro ballet clássico, adoro bailarinas, e quis fazer uma, nunca tinha feito. Achei que fazia sentido fazer uma bailarina deitada – ela está numa posição a tocar completamente com as mãos nos pés”, descreve a artista enquanto arranca com a pintura, definindo traços, estudando o espaço e fazendo correções às linhas que desenhou com a ajuda de um projector.
Para Mariano, a arte pública “tem de conversar com as outras coisas à volta”. E, neste caso, também com quem vai passando. “As pessoas foram umas queridas. Eu sou uma ansiosa gigante e assim que vejo alguém a aproximar-se, digo logo: ‘Isto não vai ficar assim, não se preocupe’. Veio aqui um senhor, que parece ir a imensos sítios só para ver peças de arte urbana, que disse: 'Não se preocupe que eu sei exactamente como é que isto funciona, sei que isto ainda está muito no início'.”
Muro do Logradouro dos Recreios da Amadora, Espaço Fernando Relvas
Odeith
Na empena de um prédio residencial, um filho da terra divide-se entre o trabalho e as conversas com quem o vai reconhecendo. Sérgio Odeith é um dos mais consagrados artistas urbanos em Portugal – e um dos mais internacionalizados. A sua obra é conhecida pelas peças tridimensionais, onde utiliza a técnica da anamorfose, cujos efeitos de óptica entretêm quem as tenta fotografar. Mas, desta vez, Odeith surpreendeu. Ao seu lado está um grande mural com a imagem de uma criança, sem qualquer efeito especial. A criança, nem o próprio artista sabe quem é. “Não sei, encontrei no Google. A imagem é talvez um bocadinho diferente da foto original, mas é uma criança a desenhar e depois tem um lettering meu por trás”, descreve. Não há nenhum mensagem em particular por detrás do desenho, e talvez não tenha de existir uma mensagem para o arranque de uma conversa. “Exactamente isso. Ainda ontem estava o rapaz do próximo festival que eu vou, no Chipre, a pedir-me uma mensagem da peça. Mas porque é que tem que ter? Cada um julga da maneira que quer. Fica à mercê de quem quer idealizar ou imaginar o que é que possa ser”, defende Odeith, embaixador do Conversas na Rua desde a primeira edição.
Esta é uma obra que marca um tempo de mudança. “Estou um bocado saturado. Acho que qualquer artista deve chegar a um momento em que tem vontade de variar, fazer outra coisa qualquer. E eu acho que ainda ando, ao fim de tantos anos, à procura de qualquer coisa. E depois é difícil a mudança, porque já habitei o público a um determinado tipo de trabalho”, explica, tentando gerir as expectativas e deixando o futuro em aberto. “Não sei, pode ser que surja qualquer coisa diferente”.
Rua Carvalho Araújo, 87 (Damaia)
Theic
Depois de uma mudança de paredes, de ideias e de gruas, chegaram a bom porto e o espaço de trabalho de Camilo Nuñez, mais conhecido por Theic, ficou decidido. O artista uruguaio a viver há cerca de ano e meio em Portugal, para onde veio atrás da namorada, conta-nos que o país não lhe era nada estranho: já tinha vindo a erguer murais em Portugal desde 2016. Influenciado pela pintura clássica, mitologia grega e cinema contemporâneo, o seu trabalho divide-se entre fotografia, design, escultura e pintura e é com pincéis que se tem dedicado à nova figura do Bairro Casal do Silva.
“Estou a pintar num bairro onde vivem ciganos e a minha ideia foi fazer a representação de uma mulher. Os vizinhos vêm perguntar sobre o desenho, muitas pessoas perguntam o que representa [a imagem], mas não quero dizer o que é, quero que as pessoas pensem, que criem a sua própria história sobre o mural. Obviamente é uma cigana, mas algumas perguntam se é uma freira”, conta. Quando visitámos a obra, ainda faltava metade, mas as linhas denunciavam o desenho de outra figura feminina. “São com dois pontos de vista diferentes, as pessoas pensam que uma é velha e outra é jovem. Mas é a mesma pessoa. Vai ter cartas de tarot, mas também vai ser muito subtil”, promete.
Praça José Cardoso Pires (Bairro Casal do Silva)
Vasco Maio
O almadense Vasco Maio conhece bem a obra do amadorense Artur Bual (1926-1999). Ambos artistas plásticos, encontraram-se nesta grande obra mural em homenagem a um dos mais conhecidos artistas do concelho. “Este mural chama-se O Canto do Cisne. O Artur Bual era um pintor da corrente do gestualismo, pintava como respirava, de uma forma bastante espontânea, sem grandes projectos prévios. Sendo assim um pintor com esta ânsia de criar e de pintar, nunca se reformou e deixou uma série de pinturas por assinar. Vem daí o nome do mural, tem a ver com a lenda em que os cisnes passam a vida sem emitir um único som e quando estão a morrer emitem o canto mais belo que associei a essas últimas obras que o Bual deixou por assinar”, explica Maio.
Quem olhar com atenção para a obra, consegue ler a palavra Bual. “Mas foram poucas as pessoas que conseguiram decifrar. Eu inverti as letras, desconstruí como ele também desconstruía no seu trabalho”, diz o artista, para quem são muito importantes estas conversas em torno da arte urbana. “O nome assenta como uma luva, porque o facto de estarmos a pintar na rua, torna-nos completamente permeáveis e expostos a todas as pessoas que se cruzam connosco”.
Rua António Lopes Ribeiro (junto à Urbanização Vila Chã, Casal de São Brás)
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