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Temos Quorum: já abriu o restaurante de Rui Silvestre

Escrito por
Catarina Moura
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Nem sempre os clientes são sinceros. Às vezes dizem que está tudo bem, sorriem e mostram simpatia e vão para casa remoer aquilo que podia ter corrido melhor. Rui Silvestre saiu do Bon Bon onde ganhou uma Estrela Michelin em 2015 e abriu esta semana o Quorum, na Rua do Alecrim, para reunir uma assembleia de voto honesto, sem vergonhas. Lisboa conhece agora no Quorum a cozinha deste chef do futuro — foi pelo menos a distinção que recebeu da Academia Internacional da Gastronomia no final de 2017 — com muita atenção ao produto e sabores limpos que vão viajar pelas receitas clássicas do mundo.

Até ao final da próxima semana em soft opening só com jantares, a testar tudo para abrir em pleno, o número 30 desta rua com vista para o rio tem uma configuração particular: assim que se entra, uns degraus descem para a sala, enquanto outros ao lado sobem para um bar com uma mesa corrida e uns quantos cadeirões — vai estar terminado daqui a umas duas semanas para se beber um copo antes do jantar e se comer fingerfood.

Quando entrou aqui pela primeira vez, em Outubro, o chef foi-se embora a achar que não era nada disto que queria, mas reconsiderou, e em apenas quatro meses ergueu o seu primeiro restaurante em Lisboa. Paredes forradas a espelhos e vegetação, candeeiros suspensos sobre as mesas de madeira, sem toalhas. Entra-se neste restaurante descontraído e não se pensa muito no Bon Bon, o fine dining no Algarve que Rui deixou no início do ano. Mas o chef esclarece logo qualquer interrogação. “Sou o mesmo cozinheiro, por isso não há muito por onde fugir. O registo vai acabar por ser o mesmo”.

Quando o serviço começa, fica claro o salto do jardim vertical com um ar informal e urbano para um fine dining puro e duro, com pratos que acompanham Rui Silvestre há anos, outros que nunca tinha experimentado fazer num restaurante embora andassem na sua cabeça há tempos, e outros que são variações de clássicos internacionais como o pho vietnamita, o ceviche peruano ou os franceses ovos mexidos com cogumelos.

quorum, rui silvestre
Ao ceviche tradicional Rui Silvestre acrescentou tapioca e flores
Manuel Manso

Há cerca de um ano e meio que Rui Silvestre pensa em vir mostrar o seu trabalho a Lisboa e agora, com outro restaurante a preparar-se para abrir em Almancil, no Algarve, vai perguntar directamente aos lisboetas o que acham da sua cozinha. No final de cada refeição há tablets a circular e, numa aplicação especial para o Quorum, mostram-se fotografias dos pratos que podem ser pontuados em categorias como sabor, estética ou ingredientes. “Assim as pessoas estão mais à vontade. Um dos focos era ter esse feedback. Assim podem fazer as críticas logo aqui e é muito mais fácil, a equipa cresce muito com isso”, comenta Rui, enquanto olhamos para um ceviche de peixe branco (que vai mudando consoante o pescado do dia) com leite de tigre. Podia ser um ceviche muito tradicional se não tivesse a textura da tapioca hidratada, os aromas das flores e um leite de tigre com alguns coentros e um picante de malagueta muito ligeiro e elegante.

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Raia, enguia fumada, couve-flor e wasabi
Fotografia: Manuel Manso

“Há coisas que adoro e isso vê-se no menu. São raros os pratos que não têm picante e citrinos. Os citrinos são influência do sul de França, onde passei muito tempo; o picante é de família — uma parte da família é indiana e moçambicana e não dava para fugir”, diz Rui, que usa estes sabores com a mesma filosofia com que se usa o sal — de maneira subtil para realçar sabores, o que se torna muito claro em pratos como a raia assada, temperada com inspiração nos temperos da região francesa de Grenoble — limão, salsa e alcaparras, a que se juntaram as amêndoas e o funcho — servida com um creme de couve-flor e wasabi, um fondant de alho-francês e enguia fumada. Há ainda no prato uns pontinhos de limão confitado que pontuam todos os sabores. Esta conjugação tem vindo a ser melhorada nos últimos anos pela equipa até ao ponto de só quem já a provou dezenas de vezes notar as minudências.

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Rui Silvestre chegou finalmente a Lisboa
Fotografia: Manuel Manso

Às vezes é o sommelier Sérgio Antunes que sugere uma ou outra alteração no prato para se chegar à harmonização perfeita — e aí entram novamente os citrinos. As harmonizações fazem-se aqui também com os cocktails da casa e com cervejas nos dois menus de degustação com preços que de alguma maneira democratizam este restaurante gastronómico. "Achamos importante dar o máximo de coisas a provar às pessoas", justifica. Um dos menus de degustação tem “seis viagens”, mais virado para o peixe e para o mar (58€), outro de “quatro viagens”, com sabores mais intensos como o do pho, o peito de pato com beterraba e a raia (46€).

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Peito de pato, beterraba e laranja
Fotografia: Manuel Manso

As ideias não vêm só do sommelier, mas de toda a equipa que já trabalha há anos com Rui Silvestre, e que veio do Algarve para abrir o Quorum (outra metade da equipa vai ficar no futuro restaurante de Almancil). “A vantagem é que quando eu digo que quero um prato assim e assado eles já sabem o que é que eu quero, às vezes ainda antes de eu perceber. [Esta equipa] é a grande sorte que eu tenho, e por isso é que eu decidi aventurar-me nisto de abrir restaurantes geograficamente distantes”, conta Rui que virá a Lisboa todas as semanas para fazer alguns serviços.

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A sobremesa Quorum era souflé de chocolate quando visitámos o restaurante
Fotografia: Manuel Manso

O processo criativo tem aqui toda a gente envolvida — a açorda de bacalhau foi uma ideia do souschef Tiago Melo e assim é a primeira vez que Rui trabalha este peixe num restaurante; a pastelaria está toda a cargo de Joana Abreu que criou três sobremesas — uma delas, com o nome de Quorum, vai estar sempre a mudar. Em boa verdade, toda a carta vai rodar com frequência com o contributo dos clientes, com os produtos da época, com as ideias novas que vão aparecendo, com aquilo que vai apetecendo cozinhar. “Aqui vamos fazer realmente o que nos apetece — se amanhã nos apetecer servir um carapau de escabeche, servimos, se nos apetecer servir foie gras com trufas, vamos fazer. Fazemos aquilo que nos dá prazer e que vai dar prazer ao cliente”, resume Rui. Um bom exemplo disso será o pho e desengane-se quem achar que está nesta carta para acompanhar a moda da cozinha pan-asiática. Em 2011 Rui Silvestre apaixonou-se por este caldo de 25 horas de confecção, quando trabalhava num restaurante parisiense com o chef Long, chef do último imperador vietnamita. “Toda a gente tinha de desaparecer do restaurante quando ele punha no pho qualquer coisa que ninguém sabe o que é; era qualquer coisa que ele trazia de casa, num saco branco”, lembra Rui, que no Quorum finalmente apresenta pho num restaurante, servido com um carpaccio de novilho e choco cozinhado no caldo a fazer as vezes da massa de arroz, e com algas a acompanhar todas as ervas da receita tradicional. A próxima ideia a servir é frango assado. Ainda está a pensar como levá-la a votação.

Rua do Alecrim, 30 (Cais do Sodré). Seg-Sáb, 18.00-00.00.

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