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Há pouco mais de um século, o mundo foi varrido por uma pandemia que fez mais estragos do que a I Guerra Mundial. The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History, de John M. Barry, está entre os livros mais conceituados sobre este trágico evento.
★★☆☆☆
Embora a simbologia dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse seja nebulosa e assunto de debate, a interpretação mais consensual associa o primeiro, que monta um cavalo branco, à Pestilência, o segundo (cavalo vermelho) à Guerra, o terceiro (cavalo negro) à Fome e o quarto (cavalo amarelo) à Morte. No início de 1918, o cavaleiro que detinha, por larga margem, a primazia, era a Guerra, mas não tardou que a Pestilência jogasse uma cartada inesperada, que ficou conhecida como “gripe espanhola” ou “gripe pneumónica”, e que superasse em apenas um ano – as estimativas vão de 50 a 100 milhões de mortos – o score do segundo cavaleiro, já que, em quatro anos, a I Guerra Mundial fez “apenas” 20 milhões de vítimas.
Note-se que o nome “gripe espanhola” nada tem a ver com a sua origem. Resulta simplesmente de a censura que vigorava nos países beligerantes ter abafado qualquer menção à epidemia, enquanto em Espanha, que era neutral, a imprensa relatou sem restrições o que estava a acontecer.
A verdadeira origem é, ainda hoje, alvo de debate aceso: há quem sugira que nasceu num hospital militar britânico em Étaples (França), enquanto John M. Barry, o autor de The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History (publicado originalmente em 2004 e sem edição portuguesa), situa a fonte em Haskell County, no Kansas, uma região rural centrada na produção pecuária. O vírus terá alastrado daí para Camp Funston, um vasto aquartelamento e campo de treino do exército americano no mesmo estado, e daqui viajou com as tropas para França, onde encontrou condições ideais para prosperar: milhões de soldados vivendo sem o mais pequeno “distanciamento social”, em condições higiénicas pavorosas, mal alimentados, enfraquecidos por doenças e ferimentos e em constante movimento.
Barry explica os aspectos científicos com clareza e a sua narrativa “romanceada” até parece sedutora numa primeira abordagem. Porém, os seus truques para cativar o leitor esgotam-se rapidamente e as fraquezas do livro começam a tornar-se evidentes: abundam as repetições, os floreados, a atenção a detalhes frívolos, a dispersão e a conversa fiada e não há sombra de tabelas, gráficos ou mapas, o que é uma lacuna séria num livro de divulgação científica e histórica sobre uma pandemia.
Não menos grave é que, embora a epidemia tenha tido escala global (infectando um quarto da população do planeta), quase só se fale dos EUA. Fica a saber-se mais sobre os efeitos da gripe em Berlin, New Hampshire, do que em Berlim, Alemanha; consagram-se, inexplicavelmente, dezenas de páginas à descrição da epidemia em Filadélfia e quando a atenção se desloca para a Europa é para assestar o foco sobre... as tropas americanas na Europa. Sem surpresa, a extensa bibliografia não inclui um documento que não esteja redigido em inglês.
Como se não bastassem estes enviesamentos e lacunas, o livro despende numerosas páginas com o percurso académico e profissional “pós-gripe” dos investigadores que estiveram envolvidos no seu estudo – ainda que a sua investigação tenha passado a incidir sobre assuntos completamente diversos (como a febre amarela). Nada disto impediu o livro de receber um prémio da National Academy of Sciences e críticas entusiásticas da imprensa americana.