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João Sá abriu o primeiro restaurante em nome próprio em Lisboa. Sentámo-nos na SÁLA de jantar do chef, na movimentada Rua dos Bacalhoeiros.
Vamos tirar o bicho papão do caminho: este não é mais um restaurante de fine dining. É um restaurante de “comida boa”, com uma cozinha aparentemente simples, feito essencialmente com aquilo que os produtores entregam todos os meses. Se é preciso haver um conceito é só esse, diz João Sá, sentado à mesa do seu SÁLA, na Rua dos Bacalhoeiros, junto ao Campo das Cebolas.
A carta está em permanente mudança, como todo o mundo, ainda que haja um prato ou outro planeados para ser intemporais. São 30% de vegetais, uma parte grande de peixe e mariscos e duas carnes. “Não fazia sentido servir coisas que não como em casa, bebidas que não bebo na minha sala”, reforça. O SÁLA chegou a ter outro nome e a estar pensado para uma outra zona da cidade, ter até uma vertente mais comercial. Mas o nascimento da filha Isabel, agora com três anos, fez com que mudasse alguns hábitos alimentares, que tivesse uma maior atenção aos vegetais, ao biológico e aos produtos da terra – ajudou, explica, as raízes da mulher, a chef Marlene Vieira, mais ligada ao campo.
É um restaurante com um fundamento português “porque os ingredientes são portugueses” mas João Sá não vê necessidade de rotular a sua cozinha. “A comida não tem de ser assim tão intelectual. Tem de ser só boa. Não é importante saberes como é feito. É importante sentares-te a comer”, diz o chef, que iniciou a sua carreira no G-Spot, em Sintra, e nos últimos anos tem sido um professor dedicado na Escola de Hotelaria de Lisboa. Também todo o ambiente do restaurante foi pensado para nos sentirmos em casa. Cores suaves, dourado, um azul profundo nos azulejos da cozinha aberta para a sala, mesas em madeira de toque suave, sofás em tecido. E muita atenção aos detalhes – vejam-se as bolsas em pele para os talheres, trabalho de João Fernandes, os pratos da Sedimento, as pequenas jarras da Otchipotchi, as espátulas de madeira de Ricardo Rival ou os decanters de vidro soprado feitos por Samuel Reis. Todos com os devidos agradecimentos no final da carta.
Há um menu de degustação com cinco pratos mas também uma escolha à carta. Neste início de Outubro há ainda um prato de tomate com ostra fumada, com uma sopa branca de tomate, feita com água do fruto, água da ostra e um bocadinho de natas (11€) – mas a época boa do tomate está a acabar, avisa. Na carta, os pratos têm identificados apenas os seus dois, três ingredientes de base, sem divisão entre entradas e pratos principais. Um prato completamente vegan, assinala, é o de couve coração, pimentão e sarraceno (6€), em que utiliza além da coração, grelhada com massa de pimentão caseira, outras duas couves – a chinesa feita com kimchi e a lombarda. A massa de pimentão é, aliás, muito utilizada em toda a ementa – “dizemos que nosso é o azeite e o alho mas a massa de pimentão também é muito portuguesa”.
Fresco e um mergulho no mar é a tarte Bulhão Pato, feita com os bivalves disponíveis no momento, o molho Bulhão Pato em creme, maionese de plâncton marinho, salicórnia e gel de limão (7€).
Um dos poucos pratos onde entra carne é o porco preto e amêijoa (8€). O que chega à mesa é um pão chinês com este recheio e maionese de coentros e alho. O outro é ainda mais simples, com uma carne de novilho maturada e cortada muito fina, com melancia, molho de pimenta, pinhões torrados e agrião (10€) – no próximo ano, muito provavelmente, já não vai ter a carne.
As sobremesas são “de cozinheiro”, ri-se, como o flan de abóbora com sorvete de pêra, sementes de abóbora e pêra fresca laminada, ou o cremoso de requeijão de ovelha com alfarroba e figos grelhados.
Para beber, a mesma lógica. “Não faz sentido ter fornecedores seleccionados, carne biológica, cuidado com os vinhos e depois servir Coca-Cola. Isso tinha de sair de cena.” Por isso há uma forte componente de sumos naturais, com várias frutas – e não há cá denominação de mocktails –, kombucha caseira natural ou de maçã. A própria carta de vinhos não é muito grande, mas tem alguma variedade e vinhos biológicos e naturais.
É um restaurante para repetir, para usar e abusar como sala de estar, e os próprios preços reflectem essa ideia – “a ideia não era ter um restaurante caro. Não é barato. É honesto, justo.”
Rua dos Bacalhoeiros, 103 (Campo das Cebolas). 21 887 30 45. Ter-Sáb 12.30-15.00/19.00-23.00.