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Major pressente-o, irá seguramente morrer dentro de pouco tempo. Antes, tem uma coisa a dizer aos seus camaradas. Está na hora de uma revolução, é preciso reivindicar felicidade e tempo de descanso. Para isso, têm de se unir contra o Homem – contra o senhor Reis em particular, que governa a Quinta do Infantado com mão de ferro. Só depois serão, finalmente, livres. A não ser, claro, que a história se repita e o poder volte a cair nas mãos erradas. Com texto de Inês Fonseca Santos, a partir de A Quinta dos Animais, de George Orwell, a primeira criação para a infância de Tónan Quito convida-nos, por um lado, a reflectir sobre a tomada de poder e a forma como nos relacionamos uns com os outros e, por outro, a estar atento, não perdendo a capacidade de questionar, sobretudo em tempos de incerteza e medo.
Publicada em 1945, após o combate de George Orwell na Guerra Civil Espanhola, ao lado dos anarquistas, a famosa fábula distópica conta a história de um grupo de animais que, fartos da exploração a que estão sujeitos, decidem encetar uma revolta. Infelizmente, quando uma outra elite astuta toma o poder, as promessas de fartura e liberdade são adiadas. “Lembro-me de o ler para aí com uns 18 ou 19 anos. Achei, desde logo, que poderia ser interessante adaptar para crianças da faixa dos 10-12. É um bom texto para começar a pensar na política e nos perigos da política, nestas pessoas capazes de manipular os outros e, de repente, criar regimes autoritários”, diz-nos o encenador ao telefone. “Imaginei sempre o espectáculo como uma espécie de assembleia. Não é exactamente o que acontecerá, mas a intenção está no tom e quando a Cláudia faz perguntas espera de facto respostas.”
![animais em miniatura](https://media.timeout.com/images/105861217/image.jpg)
Em palco, uma versão miniatura da malfadada Quinta do Infantado surge deslumbrante, quase magnética, aos olhos dos pequenos espectadores, mesmo daqueles que já se acham muito crescidos. A actriz Cláudia Gaiolas assume não só o papel do narrador e dos diferentes protagonistas, como vira realizadora, de telemóvel na mão, a gravar em directo o mundo que a rodeia. “A introdução da tecnologia serve, por um lado, para criar um contraste entre a contemporaneidade e as miniaturas, que em comparação já são arcaicas; e, por outro, para facilitar a visualização de certas cenas através da projecção de vídeo em tempo real”, esclarece Tónan Quito. “É também uma maneira de incluir o público”, acrescenta a actriz. “Há um apelo à sua intervenção. Por exemplo, numa determinada cena, onde são chamados a votar. Nós queremos ouvi-los.” Ainda que, porventura sem o esperarem, venham a ser confrontados com o que acontece quando um único indivíduo cede às suas fraquezas e inclinações mais obscuras.
Quando Major exortou os seus camaradas contra os seres humanos, é provável que, apesar de todos os seus anos de experiência, não tenha pensado no que poderia acontecer se os seus ideais fossem traídos pela tirania e corrupção dos seus irmãos porcos. Muito menos, arriscamos dizer, de um único porco. Um único porco, sedento de poder, é quanto basta. “É curioso ver como o Napoleão, a certa altura, retira o próprio narrador de cena e a assume toda para ele, como o ditador que é. Ele ficciona o seu próprio caminho, num crescendo, até tomar o lugar de todos os animais, conquistando-os pelo discurso e enfraquecendo-os com a falta de comida”, partilha Cláudia, recordando como na primeira apresentação do espectáculo, em Torres Novas, algumas crianças se deixaram seduzir. Afinal, como resistir à promessa de uma manjedoura cheia?
![Cláudia Gaiolas em palco](https://media.timeout.com/images/105861215/image.jpg)
É no rescaldo da vitória, superado o lugar de insatisfação, que devemos estar mais atentos. É importante, diz-nos o texto nas entrelinhas, não nos deixarmos amansar nem perdermos a capacidade de vigiar e questionar ‘quem manda aqui’ e, mais importante, ‘como’. “Temos de estar informados e não nos deixarmos ir por discursos populistas e fáceis. Não é o caminho mais rápido, mas é o certo”, alerta Tónan Quito. “Depois das últimas eleições em Portugal, estamos na altura perfeita para levar este espectáculo a palco”, remata, relembrando que está prevista uma conversa com os artistas a 5 de Fevereiro. A estreia no LU.CA – Teatro Luís de Camões está marcada para esta sexta-feira, 4 de Fevereiro, às 18.30. A peça fica em cena até dia 13.
LU.CA – Teatro Luís de Camões. Calçada da Ajuda 76-80. 4-13 Fev. Sex 18.30 e Sáb-Dom 16.30. 3€-7€.
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