[title]
É tido como um dos “padrinhos” dos The Velvet Underground, já que o nome da banda terá surgido depois de John Cale encontrar o livro com o mesmo nome (de Michael Leigh) em casa de Tony Conrad. Só que a exposição “Tony Conrad”, que inaugura esta sexta-feira, 11 de Março, na Culturgest, em Lisboa, não tem como âncora esse facto. É, antes, uma mostra antológica que reúne trabalhos históricos do artista, que utilizou não só a música, mas também o cinema, a instalação e a pintura como meios para expôr a sua visão crítica, por vezes satírica, do mundo.
“Para as artes visuais é conhecido sobretudo como uma das maiores referências da arte experimental e dessa ideia de que vale a pena fazer um pensamento que é crítico em relação à forma como as coisas são apresentadas, como nos são dadas a ver, e que tipo de poder é que está envolvido nessa acção, nesse encontro”, diz Bruno Marchand, programador de artes visuais da Culturgest, à Time Out. “De certa forma, o Tony Conrad é uma espécie de super estrela que quase ninguém conhece”, afirma, remetendo para o legado de Conrad de questionamento das narrativas mediáticas dominantes. “A forma como os media incutem e induzem determinados tipos de discurso e comportamento e mostrava [o indivíduo] como um objecto, mais do que um sujeito. O Tony Conrad desmantelou isso a vida toda”, refere sobre o artista que já expôs no Museum of Modern Art, o Whitney Museum of American Art ou na Bienal de Veneza.
O texto de parede que dá mote à exposição, que já passou por cidades como Buffalo (Nova Iorque, EUA), Colónia (Alemanha) e Genebra (Suíça), assinala como “Conrad fez contribuições subtis, mas determinantes, para a cultura contemporânea ao longo do último meio século”. Naquela que é a primeira mostra do artista em Portugal, há nove salas para descobrir o experimentalismo com laivos de humor do autor, que se concretiza, por exemplo, num filme cuja película foi frita ou outro que foi tornado pickle, conservado em vinagre e especiarias. O curador, Balthazar Lovay, levanta a questão: continua a ser um filme?
Foi precisamente no campo do cinema experimental que Conrad se destacou prematuramente na carreira, com o filme The Flicker. "É aclamado em Nova Iorque, em 1966, como a revolução no cinema, e todos dizem que há um novo herói do cinema experimental", recorda o curador na visita guiada aos jornalistas. "Ele podia ter continuado e construído [uma carreira] no cinema experimental”, acredita, alegando que terá sido a indústria cinematográfica e respectivo "aparato" que terá demovido o criador de continuar. Não constando o filme de forma permanente na exposição, há pelo menos uma exibição agendada. A obra – na sua versão original, em 16mm – pode ser vista este sábado, 12, às 17.00 no Pequeno Auditório da Culturgest, depois de uma visita guiada à exposição com o curador, às 15.00. O bilhete para a exposição adquirido no dia ou o bilhete da visita guiada dão acesso ao filme, no limite dos lugares disponíveis.
No fim “uma gargalhada amarga”
Ao longo das várias salas da Culturgest descobre-se a amplitude da criação artística de Tony Conrad, de filmes cozinhados a músicas de uma nota só (com quatro captações de violino na mesma nota, mas em oitavas diferentes) ou instalações de grande escala como WiP (2013), que simula o cenário de uma prisão ao mesmo tempo que é projectado um filme sobre uma prisão feminina. O percurso conduz os visitantes ao início dos anos 60 e culmina poucos anos antes da sua morte, em 2016.
Para o fim fica “uma gargalhada amarga", diz Bruno Marchand. Os visitantes são rodeados por uma série de peças de roupa interior, semelhante à utilizada no fim de vida. "É uma reflexão profunda sobre envelhecer, sobre o estado do corpo, da mente e do espaço", diz o curador Balthazar Lovay. No centro da sala, a última da exposição, está também uma cancela. "Como costuma haver nos lares de idosos para evitar que eles saiam e fujam", diz Bruno Marchand. "A cancela acrescenta uma camada ainda mais violenta e relaciona-se com a prisão e com diferentes tipos de prisão, quando a família impõe sobre nós controlo, por não sermos capazes de nos controlar mais", diz. "É uma gargalhada amarga. Vamos todos lá chegar", remata.
Culturgest (Lisboa). 12 Mar - 3 Jul. Ter-Dom. 11.00-18.00. 5€
+“Europa Oxalá”. Exposição na Gulbenkian questiona a história colonial e desmonta clichés