[title]
Vinhos naturais e comida que respeita a estação. Eis os dois mandamentos de quase todo o restaurante que tem aberto nos últimos meses. À primeira vista, o Tricky’s, que abriu na Rua da Boavista, ao Cais do Sodré, podia ser mais um destes restaurantes, mas é mais do que isso. Pelo menos, esforça-se para ser, trabalhando de muito perto com pequenos produtores, escoando-lhes stock e não se prendendo a uma carta feita. Para beber, o foco está nos vinhos naturais que dificilmente se encontram por cá (há apenas uma referência portuguesa), além de uma série de opções surpreendentes como kombucha, kefir ou tepache feitos em casa. Tudo com uma dose de irreverência e rebeldia.
João Magalhães Correia, chef do Água pela Barba e do Season, e Jenifer Duke, da loja e bar de vinhos naturais Rebel Rebel, são a dupla (e a alma) por trás do Tricky’s, um sonho que começou a ganhar forma ainda antes de existir um espaço. “Eu estou em Portugal há quase cinco anos e conheci o João através do Shay [Ola, de projectos como o Queimado ou o Rove]. Conhecemo-nos a beber copos e ficámos amigos quase instantaneamente”, conta Jenifer, recordando que foi entre muitas conversas sobre vinhos naturais que se deu o clique. “Começámos a falar como seria fixe termos alguma coisa em conjunto.”
Nessa altura, sem esperar, um cliente da norte-americana falou-lhe na oportunidade de ficar com um espaço na Madragoa. “E eu abordei o João, fomos lá e começámos a visualizar o que podíamos fazer. Já tínhamos o nome, mas infelizmente o espaço tinha estado abandonado durante muito tempo e tinha muitos problemas estruturais. Mas eu acredito que o universo dá-nos aquilo de que precisamos, e no dia em que descobrimos que não podíamos ficar com aquele sítio descobrimos este, que é muito melhor.”
Numa definição simples, poder-se-ia dizer que o Tricky’s une assim a comida de João aos vinhos de Jenifer, mas isso não chegaria para traduzir o que aqui se faz. Esse foi, aliás, o desafio para a dupla: definir este restaurante. Ou será que não é restaurante? “Eu comecei a pensar o que diria a bio do nosso Instagram? Qual é a melhor e mais rápida forma de descrever o que fazemos sem usar ‘vinhos naturais’ e ‘comida orgânica’? Eu estava a tentar fugir dessas palavras, apesar de ser o que nós fazemos, porque é o que todos usam”, explica.
Hoje, logo abaixo do nome, no Instagram, estão três palavras: “Drink. Dine. Dance”. “Primeiro vens beber um copo, depois talvez comas e acabes por ficar. É isso que queremos. Queremos ser um destino, se nos escolheres, onde podes ter tudo. Se só vieres beber um copo, está tudo bem, mas queremos dar os três componentes para uma noite divertida: comida realmente boa, boa bebida e boa música.”
A música marca a onda do espaço e serve de chamamento. Quem chega é tratado como se da casa fosse, mesmo que ali nunca tenha estado antes. Ambiente mais descontraído é difícil, mas não significa isso que o trabalho não seja levado a sério. Pelo contrário, João sabe bem o que está a fazer. A carta só a fechou quando chegou aqui. “A comida pode ser um bocado tudo o que nós quisermos. Durante o tempo todo eu tinha montes de ideias, mas fui esperando, esperando, até isto estar pronto”, conta João. As regras eram duas (ou três, se acrescentarmos a liberdade criativa): respeitar a estação e trabalhar com pequenos produtores.
“Isso até nos tem facilitado a mudança do menu. Por exemplo, as ervilhas do prato de berbigão estão a acabar, então já estamos com este prato dos morangos”, explica, referindo-se ao inusitado prato que junta um peixe do dia, que pode ser um lírio dos Açores, a uma kombucha leche de trigo, morango e hortelã (14€). A kombucha, feita por Quinti Deceuninck, apelidada no Tricky’s como a “deusa da fermentação”, vem também servida à parte para que se possa provar o seu sabor sem a mescla de ingredientes.
Aqui, não há distinção entre entradas, snacks, pratos principais ou sobremesas. Há dez entradas, todas a pedir partilha, umas mais compostas do que outras. A carne está em minoria, mas representada de duas formas bem distintas: há um tártaro de vaca, com molho XO e crocante de arroz (8€), e uma língua de vaca grelhada com salada fresca (11€).
Este último é o exemplo perfeito da proximidade entre João e os produtores, no caso da carne, o Talho das Manas, negócio de Torres Vedras com quatro mulheres ao comando. “Elas praticamente vão me dizendo o que ninguém leva. A língua é um desses casos e eu digo sempre para não se preocuparem e mandarem tudo para mim. Agora disseram-me que estão cheias de cabeças de porco, corações e fígados. Já estamos a avançar. Facilita a criatividade e ajuda-as a elas”, afirma. “Para nós é fixe. Aqui o cliente está mais do que preparado para comer essas coisas, vem para experimentar coisas diferentes.”
Também por isso a cozinha é uma continuação da sala, sem qualquer balcão ou separação. Está tudo à vista, tudo ligado, sem segredos – e por cima, com vista privilegiada para o centro de acção, há ainda uma pequena mezzanine.
Mas voltemos à comida, na qual os anos de João em Itália estão bem vincados, em pratos como os tortellis de ricotta, courgete, menta e limão (13€), o risotto de couve toscana e sementes crocantes (13€), ou o bonito e saboroso stracciatella com espargos verdes e chili crisp (12,50€). Sobremesa há uma: um creme brûlée de toranja (5€), doce q.b.
Para beber, o conselho é que se deixe aconselhar por quem sabe. E deixe-se ficar, que talvez acabe a noite a dançar e a fazer o pleno: "Drink. Dine. Dance".
Rua da Boavista 112 (Cais do Sodré). Ter-Sáb 19.00-00.00
+ O Mini Bar de José Avillez agora também tem uma pista de dança
+ Leia, grátis, a edição digital da Time Out Portugal desta semana